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Vi o meu bebé desenvolver fora do útero

Como jovem mulher, um dos meus maiores desejos era casar e formar família, mas não ter muitos filhos, talvez pelo facto de vir de uma família numerosa e saber do árduo trabalho que isto implicaria. Casei com 18 anos, muito nova, porém com bastante convicção e segurança de que queria ter uma vida que essencialmente agradasse a Deus. Fiquei grávida um ano após ter casado. O meu conhecimento de filhos e gravidez vinha das experiências dos meus pais: a minha mãe teve cinco filhos completamente sem problemas de parto, e tudo muito dentro da normalidade.

A palavra prematuridade era desconhecida para mim até ao dia em que perdi muito sangue. Com sete semanas de gravidez, e 19 anos de idade, foi detectado um problema no meu útero que até então nunca fora constatado. A possibilidade de ter uma gravidez dita normal estava fora de equação e, o máximo que poderia ter, segundo a voz do médico que estava nas urgências, era ir até às 35 semanas gestacionais. Nessa mesma hora disse-me que não poderia trabalhar e que teria que estar em repouso a gravidez inteira.

No meio deste turbilhão de novas palavras e de emoções até então jamais vividas ou imaginadas, como a possibilidade da perda, tive o enorme suporte do meu marido. Ele foi usado por Deus em todo o tempo para me confortar, levantar e cuidar. Neste exato momento das nossas vidas, pela primeira vez, os juramentos que trocamos no altar se encarnaram! Em meio à dificuldade e aos problemas, nosso amor se tornou ainda mais forte, e assim tem sido, como diz no livro de Eclesiastes 4:10 ”Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro”.

Por volta das 13 semanas, é feita a ecografia do primeiro trimestre e analisada a possibilidade de malformações e doenças genéticas. Em meus exames, foi identificado a trissomia 21 com valores muito altos e uma grande possibilidade do meu bebé nascer com esta deficiência. Recebi a notícia por telefone, e o médico me disse que precisava  ir ao hospital urgentemente para uma amniocentese (punção da cavidade amniótica pela via abdominal por meio de uma agulha, guiada por meio da ultrassonografia). Assim que desliguei o telefone, chorei, chorei e chorei. Sinceramente, nem foi pela possibilidade de ter um filho com uma má formação, mas pela insensibilidade do médico ao dar a notícia por telefone, como se eu fosse apenas um número.

Quando eu e o meu marido sentámos no consultório, a palavra de ordem que eu tinha na minha cabeça era “não”. Não à amniosentese, não ao aborto. Não. Após ouvir as palavras do médico me aconselharem a fazer amniocentese e que eu era nova e tinha uma vida pela frente para ter mais filhos, mais uma vez o “não!”.

Eu disse: “Com todo o respeito não vou fazer amniocentese. Após uma perda grande de sangue, não vou arriscar perder o meu bebe, e independentemente da condição que venha o meu filho, nós cuidaremos dele e o amaremos”.

É assim como o nosso Pai Celestial nos ama, de uma forma incondicional. E, se Ele me amou como sou, com todas as minhas imperfeições e falhas, quem sou eu para tirar a vida, seja ela qual for? Se Deus não poupou o seu único filho, não nos dará com Ele, todas as coisas? (Romanos 8:31)

Portanto, a gravidez seguiu o seu curso até as 30 semanas. Na vigésima nona semana e cinco dias, estava deitada no sofá de pijama, quando me levanto para ir à casa de banho, volto e deito-me novamente. Passado alguns segundos, sinto líquido a sair, sem conseguir controlar. Não sabia o que seria. O meu marido chama a ambulância, e, ao chegar ao hospital, é constatado que tenho apenas um furo na bolsa e que iria ficar internada. Nessa mesma noite, porém, sem que eu soubesse (talvez para não me assustar) a cesariana ficou marcada para sexta- feira. Fiquei ligada ao CTG, não podia mexer da cama do hospital, toda a minha higiene era feita pelo marido e enfermeira. Durante três dias, estive na cama e não entrei em trabalho de parto. Ao longo dos dias até à cesariana, recebi duas injeções com intervalos de 24h para fortalecer os pulmões da minha bebe. Na quinta-feira, recebi a informação de que tinha a cesariana marcada para a manhã seguinte. A pediatra que estaria presente no parto, de forma simples e serena, disse-me que iria correr tudo bem e que pelas previsões, devido ao peso estimado da minha bebé (1300 gramas mais ou menos), ela estaria internada por três semanas e depois iria para casa.

A sexta-feira de manhã chegou e um nervoso miúdo apoderou-se de mim. Levei a epidural e ouvi a médica dizer que a bebé estava encaixada na região pélvica e difícil de sair. Comecei a respirar fundo e só pensava “quero ouvi-la a chorar”. Passado um pouco, a auxiliar disse “já está”. Respirei fundo novamente, aguardando ouvir o choro da minha filha. Passado uns segundos, ela chorou. Seu choro parecia de um gato filhote abandonado à procura de sua mãe. Guardo esse som para sempre na minha memória. Fui cosida, a minha filha foi levada para os cuidados intensivos e não a vi até às 21h deste dia. Ao contrário das 1300 gramas previstas, a Matilde nasceu com 1100 gramas. O meu marido traz-me a notícia de que a nossa filha está bem e disse-me que era linda.

Estive no recobro e após duas horas fui levada para o quarto. No meio do misto de sentimentos de alegria por a minha filha estar viva e de tristeza por não a ter visto, deparo-me com o meu peito mole e pequeno, e choro. Ao ver-me lacrimejar, a enfermeira perguntou se estava bem, ao que respondi: “não compreendo porque tenho o meu peito assim. Como vou dar de mamar à minha filha?”. E ela responde: “agora não se preocupe com isso! A sua filha está bem e você tem que recuperar”.  E foi se de ao pé de mim! A minha preocupação tornou-se maior, porque um dos meus maiores desejos era amamentar. Logo de seguida, houve uma mudança de turno. A nova enfermeira se dirige a mim e pergunta-me se estou bem. Novamente, disse o que me preocupava. Ela responde: “comece a massagear o seu peito em movimentos circulares e o leite vai descer”. O meu coração acalmou e fiz como ela instruiu. À noite, foram me buscar para eu ver a minha filha e o meu peito estava completamente pronto para começar a tirar o colostro.

Quando me deparo com a incubadora, vejo uma bebé tão pequena, com menos de 38 cm, magra, a ver-se as veias todas, ligada a imensos fios e tubos. Só me lembrei das palavras do meu marido: “Ela é linda!”. Mas os meus olhos não viram logo toda essa beleza. No meio dessa visita, só pude pensar: como eu vou cuidar dessa menina? E a única coisa que me veio à cabeça era tirar leite. E assim foi: fui para a copa e tirei 30 ml. Fiquei radiante. Disse à enfermeira: “aqui está o leite para a minha filha”. E assim, passados 48h, a nossa filha começou a beber pela sonda 1ml de leite materno de três em três horas. Esta foi a minha grande preocupação; tirar leite de três em três horas, como se tivesse de dar de mamar.

Foi realmente a salvação da minha filha. Hoje, vejo que Deus me guiou mesmo sem qualquer conhecimento de prematuridade, filhos e gravidez. Só mais tarde fui conhecer os milagres do leite materno na vida do bebé.

“E o Senhor te guiará continuamente, e fartará a tua alma em lugares áridos, e fortificará os teus ossos,e serás como um jardim regado, e como um manancial, cuja águas nunca faltam.” Isaías 58:11

Durante o mês e meio em que a nossa filha esteve no hospital internada, cresceu muito lentamente, 10 a 20 gramas por dia, mas sem qualquer sequela, para honra e glória de Deus. Matilde foi para casa com 2090 gramas, a vestir 000, linda e saudável. A minha querida avó Generosa, que já descansa no Senhor, dizia: “Raquel, tu és muito privilegiada. E muito abençoada! Tiveste a possibilidade de ver a tua filha a crescer e a desenvolver fora do útero”.

Escrito por -

Raquel Fidalgo casada há 12 anos com José Chagas, mãe da Matilde (10) e do Tomás (5). Reside em Vendas Novas e serve na igreja Lighthouse. É empresária por conta própria há três anos.

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