Uma nobre razão para seu sofrimento
Perda. Traição. Doença. Mudança indesejada. Decepção.
Luto.
Lágrimas, cansaço, mais dor. Onde está o fim de toda essa tormenta?
Em meio à tempestade, você se sente sozinha, incompreendida, talvez injustiçada. Tudo o que está a sua frente é esse emaranhado confuso de sentimentos, sensações e acontecimentos. Com os olhos (da alma e da face) embaçados de água, você se concentra em um minuto de cada vez, como se pudesse fatiar em pequenas porções o bolo amargo de seus problemas. Mesmo assim, a digestão não é garantida. Aquele nó na garganta e no estômago não vão embora, invulneráveis à todas as suas estratégias.
Em situações assim, as palavras nunca parecem suficientes para captar a realidade. O consolo parece impossível e, em nossa pecaminosidade, muitos dos versículos que carregávamos e distribuíamos por aí parecem ter perdido todo o sentido, como balões murchos ao final de uma festa. Sim, eu já estive nesse buraco, muito mais vezes do que poderia prever. Como bem disse Tim Keller, “Não importa quais cuidados tomemos, quão bem nos organizemos por uma boa vida, não importa quão duro nós trabalhemos para sermos saudáveis, ricos, confortáveis com amigos e família e bem-sucedidos em nossa carreira – alguma coisa vai inevitavelmente dar errado”1. Ou como diria Shakespeare…
A cada nova manhã
novas viúvas pranteiam, novos órfãos choram,
novos lamentos golpeiam a face do céu.2
Eclesiastes, que tem a fama de ser o livro mais azedo da Bíblia, passa a ser a sua leitura de cabeceira e a cada exclamação do poeta “nada faz sentido”, “tudo é inútil” e “como correr atrás do vento”, você meneia a cabeça em amarga concordância. Ou pode ser que nem ler você consiga mais. A dor é demasiada intensa para se concentrar em uma linha, quanto mais em um livro todo.
Mas tão real quanto o sofrimento é o tempo. E, graças a Deus, ele passa. Talvez mais rápido do que você possa imaginar. Não sei em que momento você se encontra, mas gostaria que essa constatação servisse de consolo, esperança – e gratidão. Quer queira, quer não, o tempo vai passar. Uma das maiores bênçãos concedidas à nós, seres humanos, é a percepção do tempo. Muitos passam a vida toda sem constatar o quanto somos dependemos dessa dimensão, pois somos seres frágeis demais para sequer conceber a ideia de estar acima dele, como Deus está.
Sofrimento, tempo.. e consolo. Este também chega. E só Deus sabe consolar seus filhos como cada um realmente precisa.
Quatro dias após a morte de Lázaro, Jesus vai ao encontro de Marta e Maria. Ao encontrá-lo, ambas dizem a mesma coisa: “Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”. As irmãs afirmam o mesmo, porém a resposta do Messias para cada uma é muito diferente. Ao ver Maria e todos ao seu redor em prantos, Jesus faz apenas uma pergunta: “Onde o colocaram?”. E, então, chora. Nenhuma palavra, nem uma advertência ou aplicação. Apenas o compartilhar da dor em forma de choro, mesmo sabendo que dali a alguns minutos Lázaro estaria vivo entre eles. Quanta compaixão em um único ato. Cristo sabia, mas não falou nada. Ele poderia ter pego Maria pelos braços e exclamado “Pare de chorar! Eu estou aqui! Ele já vai ressuscitar!”. Mas não. Ele viu a aflição e o sofrimento, a realidade da morte, e chorou.
Há choro sem pecado. Há choro santo. E há também o silêncio que conforta. Pode parecer contraditório, mas muitas vezes o que mais precisamos (ou o nosso próximo) não são palavras, mas sim o silêncio interrompido por lágrimas compartilhadas. Por isso, irmã, antes de falar aos que sofrem, se preocupe com o silêncio. Existe um momento para palavras de consolo e até advertência, mas também é necessário que você tenha sensibilidade e compaixão para apenas chorar com seus irmãos. E ouvi-los.
Marta, porém, recebe outra resposta. Jesus declara seu poder sobre a morte, “Eu sou a ressurreição e a vida”, e então a confronta: “Você crê nisso?”. Ela não foi menos consolada que Maria. Jesus não teve mais sensibilidade ou compaixão com uma delas. Ele soberanamente sabia o que cada uma precisava ouvir. E para Marta isso significou uma resposta muito diferente da de Maria. Nem sempre o silêncio é o melhor consolo.
Saber como agir quando pessoas estão sofrendo ao nosso redor é um desafio muito grande. Afinal, para um coração sensível, meio olhar errado pode ter um peso muito maior do que imaginamos. Para consolar biblicamente é necessário muito mais do que teologia (mas não menos). É necessário o Espírito Santo. Ele é o Consolador. Discernir o momento, a palavra, o tom de voz, todas essas coisas são importantes, mas nenhuma delas será suficiente se Deus não operar por meio do seu Santo Espírito.
E aí está uma das (diversas) nobres razões para seu sofrimento.
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda a consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
2 Coríntios 1.3-4
Ao ser consolada por Deus, não é apenas a sua vida que é abençoada: as pessoas ao seu redor também são. O consolo dado pelo Senhor em momentos de tribulação é útil para que você possa derramá-lo sobre a vida de outros no tempo oportuno. Com o toque do Espírito Santo, uma experiência terrível se transforma em bálsamo para o Corpo de Cristo. Você derrama sobre ele aquilo que foi derramado sobre você. Você olha para trás e vê tudo: o sofrimento – o tempo – o consolo, e dá glórias a Deus porque tudo foi exatamente para isso, sua glória.
Você entende que seu consolo não é aquela resposta específica à sua oração. Você aprende que seu consolo não é “ser feliz, saudável e ter bons relacionamentos”. E mais do que tudo, você não é consolada por que seu sofrimento vai embora. Um não substitui necessariamente ao outro, já que, muitas vezes, as provações se transformam em uma realidade inalterável de nossas vidas.
Pois assim como os sofrimentos de Cristo transbordam sobre nós, também por meio de Cristo transborda a nossa consolação.
2 Coríntios 1.5
O sofrimento te permite, mais do que nunca, ser consolada pela obra de Jesus. Seus olhos serão abertos para uma dimensão da encarnação de Cristo como você jamais poderia conceber.
Os outros deuses eram fortes, mas tu eras fraco.
Eles cavalgaram até o trono, mas tu cambaleaste.
Contudo, às nossas feridas somente as feridas de Deus podem falar,
e, além de ti, não há outro deus que as tenha.
Edward Shillito3
Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido.
Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados.
Isaías 53.4,5
Seus problemas te oferecem a chance de conhecer a Cristo de uma maneira mais profunda e real. A enxergar a extensão de sua obra redentora, que abrange a eternidade da sua alma, mas também as minúcias da sua rotina (“Deus de TODA a consolação”). Essa compreensão será tão magnífica e transformadora, que transbordará da sua vida para a vida daquelas que sofrem ao seu redor.
Ao crescer em intimidade com Deus por meio do sofrimento, você tem a oportunidade de abençoar aos seus irmãos como antes não seria possível. Você poderá exclamar como Jó: “Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram”. E, então, orar por seus amigos, assim como ele o fez.
Depois que Jó orou por seus amigos, o Senhor o tornou novamente próspero e lhe deu em dobro tudo o que tinha antes.
Jó 42.10
1. Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento, Timothy Keller. Ed. Vida Nova.↩
2. Macbeth, ato 4, cena 3.↩
3. No poema Jesus of the scars↩
Deixe um comentário