Quatro aos vinte e sete
Antes ainda de investires os próximos minutos nas linhas que se seguem, deixa-me dar uma importante nota prévia. As particularidades da minha experiência não são, de forma alguma, prescritivas. São isso mesmo, experiência; uma vivência que tenta aplicar princípios que emanem da Palavra, numa cultura antagónica aos mesmos, navegando o barco da vida por mares turbulentos enquanto tenta sentir e aproveitar o vento da sabedoria divina no meu dia-a-dia e da família que Deus me deu o privilégio de ter. Tendo isso por certo, vamos lá!
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A noite estava escura, a sala estava fria, a agitação dos profissionais de saúde era imensa. Ao meu lado o marido sentado, de ar impotente como de quem pairava na sala apenas registando o momento na sua memória. Passava uma hora da meia-noite do dia 11 de Maio de 2015, quando pela primeira vez os meus ouvidos escutaram aquele choro seco, estridente e dependente de um frágil ser que em mim tinha sido gerado. Nesse dia nasceu o João, o nosso primogénito.
Finalmente, mãe! Contava com tenros 22 anos de idade, pelo menos na maioria dos olhares, esses eram verdadeiramente tenros e verdes anos. Como uma menina destas, casada apenas há dois anos, com toda uma vida por aproveitar com o marido, e todo um conjunto de lições ainda a aprender, ousa aventurar-se tão prematuramente nesta epopeia sem retorno que é a maternidade?
Imaginem, portanto, quando volvidos 15 meses nasceu o Tiago (2016), 27 meses depois a Maria (2018) e após novos 15 meses a Inês (2020). Em Fevereiro de 2020, deitada numa cama de hospital, exausta e felicíssima, estava uma mãe de quatro – four under four –, com 27 anos.
Corajosa, alguns diriam. Outros, inconsciente. Creio que nem uma coisa nem outra.
Não podemos negar que vivemos numa sociedade impregnada por -ismos. Pelo menos no lado do Ocidente onde aprouve a Deus me colocar, assumiu-se como normal o individualismo, o egocentrismo, o consumismo ou o materialismo. E pensamos a vida em função desses valores. A busca por determinado estilo de vida e posição social, trouxe-nos a ilusão de que só podemos pensar em casamento depois de atingir um certo patamar financeiro e de estabilidade e, dentro do casamento, há muito a aproveitar e a fazer antes de pensar em filhos (quando isso é hipótese conjeturável). Afinal, os miúdos vêm incomodar o nosso conforto!
As estatísticas não mentem. A tendência das últimas décadas é ter cada vez menos filhos e mais tarde.
Em contramaré encontra-se a nossa situação. Não só nos tornámos pais cedo, como acabámos por ter uma quantidade acima da média. Portanto, o expectável apareceu: a pressão, os olhares, as dúvidas, caíram sobre nós em cada um dos filhos que vieram. Ou porque “era muito nova”, ou porque “já tinha o suficiente”, ou porque “ainda eram muito pequenos”.
Enganam-se se pensam que não reagi! A simples ida ao supermercado, ou a presença nas consultas, com os pequenos atrás e uma barriga, tornava-se num show de apresentação, onde a maturidade do casal era o ponto. O marido não se poderia desleixar, tinha que vestir camisa e parecer um senhor, e a eu, sempre que possível, colocava um rímel e pintava as unhas, sempre evitavam alguns comentários desagradáveis porque ia com um ar de senhora.
O meu comportamento não só era ridículo, como demonstrava um problema ainda mais profundo: eu não me contentava com a beleza de saber que Deus estava a cuidar de tudo, que Ele planeou e formou cada bebezinho que nos dava. Na verdade, eu queria ser aceite, eu importava-me com a forma como me viam mais do que deveria.
Eu percebo, eu consigo perceber o porquê de se achar que adiar e limitar a um pequeno número a quantidade de filhos soa à melhor escolha. Os filhos transformam as nossas vidas, muitas vezes num caos; os jantares e passeios a dois passam a ser raros; as noites são difíceis; o cansaço parece que não nos larga; o dinheiro parece não chegar; há lágrimas, há frustração, há medo. Mas deixem que vos diga, no meio deste aparente caos há beleza, há graça e há crescimento, há lições importantes.
Deixem-me destacar apenas três dessas lições que tenho aprendido neste meu percurso:
A maternidade é um pequeno reflexo imperfeito da paternidade perfeita de Deus para connosco.
Os filhos testam os nossos limites! E para quem tem um coração facilmente inflamável, como eu, o problema ganha uma outra dimensão. Aquele choro que ecoa nos nossos ouvidos durante a noite, a birra que surge a toda a hora, a teimosia que insiste em não aceitar a nossa decisão. Mas não é preciso muito para logo nos esquecermos. Vem o sorriso, o beijinho e o abraço caloroso, o pedido de perdão e logo estendemos os braços, envolvemo-los com um abraço apertado, pegamos ao colo, perdoamos e esquecemos. Isto serve de lembrete para a forma, ainda mais grandiosa, como Deus age connosco. Nós, pecadoras e imerecedoras de tamanho amor, podemos descansar na certeza de que, através de Jesus, podemos encontrar Deus sempre de braços abertos para nós. Por maior que seja o meu pecado, por mais que sejam as vezes que eu caia, nele vou encontrar perdão, vou encontrar descanso, vou encontrar deleite. A paternidade de Deus é perfeita e encontramos na maternidade algo que nos aponta esse facto.
A maternidade é uma forma de Deus moldar o nosso carácter.
Somos constantemente confrontadas com os nossos pecados, alguns que até desconhecíamos, ou não lidávamos tanto. Ser mãe despe-nos, faz-nos mostrar o que está escondido e guardado a sete chaves no coração. Seja aquela ira iminente, ou aquela mania de querer controlar tudo. Chega a um ponto em que percebemos que a ira não é o caminho, ou controlar tudo não nos é de todo possível. Vamos caminhando e aprendendo que é essencial que Deus esteja envolvido no processo, que é Ele quem deve controlar a nossa vida e ajudar-nos a controlar e a lidar as emoções.
A maternidade é aprender a deleitar-se na soberania do Senhor.
Educar filhos é uma incógnita. Por mais que possa haver tentativas de fórmulas para os primeiros anos de vida: como dormir melhor, como comer bem, como largar as fraldas de forma eficaz, e por aí vai… com o passar do tempo vamos percebendo que não há uma fórmula certa, cada filho tem a sua personalidade. E, por mais que os princípios sejam os mesmos, a forma de educar precisa ser adaptada. Para além disso, os resultados, não são instantâneos, exige persistência. É um batalhar constante naquilo que achamos ser o melhor para eles, no incutir valores, no ensinar a importância de Deus e da sua Palavra. Levam anos, para vermos um pequeno vislumbre do fruto da nossa persistência, e pode haver muita frustração. Em meio a essa dor, em meio à incerteza, encontramos consolo nos braços de Deus, aprendemos a depender Dele. Aprendemos a viver um dia de cada vez, sabendo que a cada dia Deus nos dará a força e a graça necessárias.
Uma palavra de coragem final. Seja em que estágio de vida a leitora esteja, uma coisa devemo-nos sempre lembrar – o Senhor é soberano e depender dele será sempre melhor do que depender de qualquer outra coisa. Ele usa as situações da nossa vida para nos ensinar importantes lições, e a maternidade é um dos meios privilegiados para isso. Sou grata a Deus por esta dádiva, mas outras poderiam apresentar as lições que aprenderam quando Deus não lhes permitiu terem filhos, ou quando Deus limitou os seus filhos, ou permitiu um aborto (como também aconteceu comigo), ou quando protelaram a maternidade. Graças a Ele, porque nos incentiva, cada dia, a confiar um pouco mais nele. E, mais uma vez, a maternidade tem um jeito especial de o fazer.
Isabel Fernanda Campos De Moura
Muito louvável a forma como a maternidade X Paternidade celestial foi abordada, sempre apontado para nossa fragilidade(pecado)e o cuidado especial (amor)do Pai por nós. Que Deus continue usando testemunho de mulheres que se colocam ao dispor do Reino. Fernanda Moura