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O que a Quaresma nos ensina

Em meio a ritmos desequilibrados, nos esquecemos do que realmente importa

Como cristãos, somos aqueles que estão sendo treinados para uma nova vida e discipulados para nos tornarmos cada dia mais semelhantes a Jesus. Estamos em uma corrida e temos um alvo. E em meio à rotina comum a todos – trabalho, família, estudo, relacionamentos, responsabilidades – somos incluídos num drama que desenrola a história de salvação e restauração do Reino de Deus. Um Deus que invade a nossa realidade e se revela a nós, que está agindo e nos convida a participar.
Esta história influencia nossa identidade e vocação, nos dá direção e nos mostra para onde estamos indo. Tem a ver com desenvolver a santidade e a piedade à medida que crescemos no conhecimento de Deus e caminhamos com Ele. Se relaciona com praticar o bem e fazer escolhas que vão na contramão do mundo e seus conceitos de felicidade e sucesso: tomar uma cruz, negar a si mesmo e seguir a Cristo.
O problema surge quando esquecemos de tudo isso e nos perdemos em outros caminhos, ritmos, escolhas e anseios. Ignoramos o pecado que nos atrapalha na corrida. Perdemos a direção e, de repente, não temos tempo nem para orar e buscar a Deus. Temos tantas coisas para fazer e estamos tão sobrecarregados que não conseguimos parar para ver o que está acontecendo. A lógica de como viver e a visão do que é a realidade se tornam confusas, misturadas com mentiras e ilusões. A luz perde o brilho e o sal perde o sabor.
Nesse contexto, considero que a Quaresma se torna especialmente relevante para nós hoje e tem algo a nos ensinar. Em meio a ritmos desequilibrados, emoções e pensamentos distorcidos, nos esquecemos do que realmente importa. A Quaresma é uma estação do Calendário Cristão que nos leva a parar e considerar o caminho que estamos seguindo, nos lembra que no meio do caminho tem uma cruz, nos leva a praticar os exercícios que irão fortalecer os músculos fracos da nossa fé e nos prepara para celebrar a Páscoa com realidade.
A Quaresma já era um tempo observado por cristãos primitivos antes de existir católicos ou protestantes. Ela antecede a Páscoa e tem 40 dias de duração. Seu objetivo é criar um espaço de preparação com foco no arrependimento, discipulado e santidade, nos dando recursos para viver a nova vida que já está disponível para nós. Ao longo da história da igreja, a Quaresma foi exercida por várias denominações e adquiriu significados diferentes – você pode saber mais sobre a relação entre a Quaresma e a Fé Reformada neste texto. Para compreender melhor seu significado, eu recomendo este vídeo em que explico as suas características principais e aplicações para nosso contexto atual.
Viver o tempo hoje é um desafio e o Calendário Cristão se torna uma ferramenta de formação espiritual importante. Aos poucos têm surgido mais recursos em português para nos auxiliar a observá-lo e eu te convido a ler saber mais sobre isso aqui e aqui.
O discipulado e a transformação em novas criaturas acontecem agora no momento presente, em meio a vida comum, todos os dias, e não precisamos parar para meditar nisso em um mês específico. Não precisamos que alguém nos diga que este é o mês para nos arrependermos e buscarmos a Deus. Porém, se você, como o povo de Israel, vive em uma cultura idólatra, tem se esquecido das promessas e feitos do Senhor ou ignorado as disciplinas espirituais, eu te convido a observar a Quaresma este ano.
A atitude da Quaresma é de entrega. É fazer algo que (talvez) você não faça com tanta frequência: se colocar de joelhos com as mãos abertas diante de Deus. Parar todos os afazeres, entrar em seu quarto e ficar em silêncio. Acalmar os muitos ruídos à sua volta e dentro de você. Se prostrar como uma criatura diante do Criador, o único Deus verdadeiro, trazendo seus fardos e derramando seu coração. Ao abrir as suas mãos, você solta tudo o que segura com seus punhos fechados, o que é importante e gera preocupação, o que teme perder. Dentre as sugestões de disciplinas espirituais, você pode orar e ler a Bíblia com mais frequência. Fazer um jejum e escolher se abster de alguns hábitos que podem estar te fazendo mal – como o uso das redes sociais em excesso. Praticar atitudes de piedade individual.
Além disso, você pode intencionalmente escolher atos de serviço e cuidado com outras pessoas – começando com aqueles que estão bem perto. Participar do culto comunitário reconhecendo que você é parte de um corpo vivo, e celebrar, adorar e estudar a Palavra em comunidade. Enxergar as pessoas que estão à sua volta e o que você pode fazer para ajudar mais ativamente, praticar atos de justiça e misericórdia. Também pode procurar alguém que você confia e confessar seus pecados, buscando arrependimento e mudança de vida. Praticar atitudes de piedade comunitária.
Aprender a amar o bem e praticá-lo não é automático, exige dedicação, intenção e perseverança em se submeter aos exercícios da piedade, individual e comunitária. Por isso, eu te encorajo a criar um espaço na sua rotina para um período intencional de entrega a Deus – e pode ser agora nesses meses de março e abril.
Organize sua agenda e seus ritmos ao longo de 40 dias, incluindo atitudes relacionadas à prática das disciplinas espirituais (além das sugestões individuais e comunitárias que eu dei acima, o livro do Richard Foster pode te ajudar nisso). Para quando chegar a Páscoa, você experimentar com mais realidade o que significa a morte de Jesus em seu lugar e celebrar com muita alegria a nova vida que você já recebeu com a ressurreição e que se descortina diante de você agora. Para acordar do sono e viver na luz da vida.


Sobre a autora
Vanessa Belmonte é professora, coordenadora de cursos online na ABC2, obreira do L’Abri Brasil e autora do livro O lugar da Espera na Vida Cristã. Mora em Belo Horizonte – MG. Se você quiser conversar mais sobre o tema do artigo, entre em contato com ela em vabelmonte@gmail.com.

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Discípulas de Jesus de diferentes denominações da fé protestante com o propósito comum de viver para a glória de Deus.
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