Não seja fiscal da fertilidade alheia
*Por Renata Stanquini
Bastou eu completar 6 meses casada para que as cobranças começassem a surgir: “E aí, quando vem o neném? Já pensam em ter filhos? E os filhos? Vem quando?” Eu já desconfiava que isso aconteceria – afinal, antes mesmo de casar, eu já havia presenciado situações bem constrangedoras envolvendo minhas amigas casadas – mas confesso que não esperava que aconteceria tão cedo comigo!
Agora, com quase 2 anos casada, o interrogatório está ficando cada vez mais frequente, e eu continuo me esforçando para não parecer hostil na minha resposta, ao mesmo tempo que me sinto pouco à vontade em ter que ficar me justificando.
Gostaria de dizer que essas perguntas indiscretas vêm de pessoas “de fora”, mas não. A maior parte delas vêm de dentro da igreja. Não duvido que algumas dessas pessoas estão sendo bem-intencionadas ao me “cutucar”, mas a cada dia que passa tenho refletido em como esse tipo de questionamento pode causar mais mal do que bem, dependendo de quem as perguntas são direcionadas.
Digo isso porque, diferente do que muitos imaginam, fertilidade é um assunto delicado. Nem todas as mulheres que planejam engravidar conseguem de primeira. Nem todas as mulheres estão livres de sofrer um aborto espontâneo ou sofrer por alguma doença que as impedem de ter filhos. Nem todas as mulheres se sentem prontas para serem mães logo que se casam – e por “n” motivos. A verdade é que nós não sabemos quais feridas nós estamos expondo ao fazer esse tipo de pergunta aparentemente inocente.
Caso não tenha reparado, esse artigo complementa um pouco do texto que lemos há algumas semanas, só que agora numa perspectiva de uma mulher casada. No artigo “Sejamos alívio e não (mais) carga”, fomos desafiadas a não pressionar mulheres solteiras. E hoje, neste texto, o desafio é o mesmo: não sejamos as pessoas que vão bombardear a mente umas das outras com cobranças descabíveis. Não podemos colocar sobre os ombros umas das outras o julgo que Deus não coloca.
Sim, é fato que Deus instituiu a família. É fato que Ele ordenou que Adão e Eva se multiplicassem. É fato que esse mandamento se estende à nós, e que não desejar ter filhos por motivos egoístas, é pecado. Filhos são bênçãos de Deus, independente das circunstâncias que Ele os manda. Filhos são herança dEle. Tudo isso é verdade. Mas isso não nos dá o direito de ficar fiscalizando a fertilidade alheia para ter certeza de que o coração de nossas irmãs em relação a ter filhos está ou não no que a gente julga ser o lugar correto.
Não estou dizendo que não devemos exortar nossas irmãs que se utilizam de motivos pecaminosos para não querer ter filhos. É possível que essas mulheres estejam com suas mentes moldadas ao padrão do mundo que constantemente nos diz que ter filhos é uma loucura! Se de fato temos percebido tal erro entre nossas irmãs, devemos com todo amor e misericórdia exortá-las para que se arrependam e se submetam a vontade do Senhor para vida delas. Mas isso deve ser feito com muita oração, temor e cautela, de preferência com aquelas que nos procuraram ou com quem temos intimidade o suficiente para, com graça, expor seus pecados. Porém, pressupor que toda mulher casada sem filhos está pecando e precisa ouvir belo de um sermão é agir com pouca sabedoria e falta de amor, e não podemos agir dessa maneira.
Só Deus sabe o que se passa no íntimo de cada mulher. Sejamos, então, cautelosas a tratar desse assuntos. Sejamos aquelas que ouvem e que aconselham debaixo da autoridade das Escrituras. Que possamos parar de uma vez por todas de pressionar mulheres a serem mães na hora que NÓS achamos que elas devem ser. Esse não é o nosso papel.
Quando se trata da fertilidade alheia, Deus nos chama a orar. Orar por àquelas que estão adiando a gravidez por motivos justos e por àquelas que por motivos egoístas não querem ser mães de maneira alguma. Orar por àquelas que estão sofrendo pela infertilidade e por àquelas que estão fugindo a todo custo daquilo que Deus as criou para ser. Orar por àquelas que choram por seus filhos mortos e por àquelas que estão com sua aljava cheia. Que Deus nos dê sabedoria!
Observação: o título é uma referência à uma expressão usada pela @isacavalcantemartins em uma live sobre Planejamento Familiar e métodos contraceptivos, publicada no dia 28/01/2021.
Obs.: Texto escrito em português do Brasil. Esta plataforma não obedece ao Novo Acordo Ortográfico e respeitas as regionalidades da Língua Portuguesa de acordo com a origem de suas autoras.