Diário de Adoção #05 – A adoção e minha igreja
É um princípio da vida e regra biológica: ninguém consegue gerar um filho sozinho. Por mais que a ciência de reprodução humana tenha avançado significativamente, no fim das contas, clínicas de fertilização precisam de um homem e uma mulher ou, pelo menos, um espermatozoide e um óvulo para que haja um bebê. Mesmo com tanta tecnologia, a realidade permanece: ninguém é capaz de gerar um filho sozinho. Nem homem, nem mulher, muito menos pais por adoção.
Eu já falei nos episódios anteriores sobre como o Angelo foi uma figura central nesse processo de sermos pais por adoção. Apesar desse diário ser escrito por mim, essa história é completamente de nós dois. Mas também não é só de nós dois, é de muita gente! Existe um famoso provérbio africano que diz: “é preciso uma aldeia inteira para criar um filho”. Russell Moore, no livro que já indiquei anteriormente, aprimorou esse provérbio dizendo: “é necessário mais do que uma comunidade inteira para adotar uma criança, pelo menos para nós que estamos em Cristo. É necessário uma igreja”¹.
Um casal pode ou consegue adotar sozinho? Consegue. Mas estar cercado de familiares, amigos e igreja local é outra coisa. Recentemente, li um artigo científico da área de psicologia analisando famílias que passaram pelo processo de adoção tardia, e era clara a conclusão sobre o sucesso nos casos em que casais contavam com grupo de apoio e ambientes onde podiam ser ouvidos, entendidos, aconselhados e animados. Os casos de desistência ou devolução de crianças são comuns no Brasil e, do que ouço os profissionais da área falando, a grande chave para o sucesso no processo de adoção é nunca entrar nessa jornada sozinho.
Pode parecer que essa seja uma questão apenas do mundo da adoção, mas tendo a pensar que a maternidade e paternidade em si são uma jornada desafiadora e nenhum casal deveria fazer isso sozinho, isolado em uma ilha de individualismo. A diferença é que, no processo da adoção, há a opção de devolução², mas no processo biológico não. O máximo que as pessoas podem fazer é jogar a responsabilidade no colo dos avós, da televisão ou do “deixa a vida levar, se educa sozinho”.
Na visão bíblica, ninguém é chamado para viver sozinho. E como disse Moore “devemos reconhecer que a adoção não é uma questão para famílias cristãs individualmente. Não existe isso de ‘família cristã’ separada da igreja”. Por isso, decidi falar sobre a importância da igreja local para casais cristãos em processo de adoção. Não consigo imaginar minha maternidade sem meu marido, assim como em grande medida não consigo imaginá-la sem meus irmãos em Cristo.
Lembro de dias em que eu lutei muito com o desânimo e o medo. Vozes ecoavam na minha mente dizendo que os meninos eram difíceis demais, que eles nunca iriam mudar, que minha vida seria um inferno. E, de repente, quando encontrava os irmãos na rua ou num culto da igreja, era surpreendida com elogios do comportamento dos meninos, palavras de ânimos e aquele rostos sorridentes olhando para nossa família como se fosse a coisa mais legal que eles tivessem visto. Esses irmãos nem têm noção de como aquilo me fortalecia! Eles estavam vendo minha família, meus filhos e minha maternidade com outros olhos, estavam vendo tudo de longe e, por isso, conseguiam ver melhor do que eu naquele momento.
Quantas vezes jovens casais da nossa igreja foram na minha casa para brincar com meus filhos, levá-los para soltar pipa ou andar um pouco de bicicleta na rua. Eram os mesmos rapazes e moças que tinham sido meus alunos na nossa escola, com os quais eu e o Angelo tínhamos gastado horas aconselhando sobre namoro, casamento e decisões da vida. Normalmente, eles nos agradeciam por abençoar a vida deles e pastoreá-los, mas agora eles estavam nos abençoando, deixando a gente descansar um pouco. Só quem é pai e mãe sabe como é bom ter tios e tias que, de vez em quando, levam seus filhos para passear e deixam você dormir ou ter um tempinho a sós com seu cônjuge. Como me senti presenteada com esses momentos nos meses de adaptação.
Mas mais do que isso, uma coisa que me alegrava e me fortalecia era ver o amor que todos eles tinham pelas crianças. Eu estava aprendendo a amar meus novos filhos, mas nessa jornada eu já contava com uma comunidade inteira que os amava, curtia brincar com eles e estava na torcida pela nossa família. Quem é pai e mãe sabe… as melhores pessoas são as que amam nossos filhos! E eu tive muitas dessas ao meu redor. Não foi só eu e o Angelo que adotamos o Miguel e o Gabriel, a nossa igreja inteira os adotou.
A gente sempre teve o sonho de adotar. Mas foi no contexto da nossa igreja local que fomos pastoreados para o caminho da adoção. Veja bem: meu marido, o Angelo, é o pastor sênior da nossa congregação. Eu tenho cargos de liderança em diversas áreas. Mas no campo da adoção, as ovelhas nos guiaram. Já contei no primeiro episódio sobre os casais Nuno e Samantha e Roberta e Felipe – amigos nossos e membros da igreja que adotaram antes de nós. Como eles nos ensinaram! Não apenas pelas conversas, mas só por terem trilhado esse caminho antes de nós. Francamente, não sei se teríamos adotado, se eles não tivessem feito isso antes. Nesse assunto, os heróis foram eles.
Lembro que quando as meninas do Felipe e da Roberta chegaram (elas tinham 9 e 10 anos de idade) eu senti que deveríamos ajudá-los como igreja. Na nossa comunidade estava uma explosão de grávidas e chás de bebê todo mês, então, na época, pensei “vamos fazer um chá de boas-vindas para a Bia e a Clara!”. Eu e umas amigas organizamos uma festinha no estilo “chá de bebê” para as novas filhas que estavam chegando. Fizemos uma lista do que criança naquela idade precisava e naquela tarde chegou de tudo – edredom, brinquedo, livros, roupa, tênis, perfume e milhões de laços e coisas de cabelo.
Não posso deixar de falar também da igreja extra-local, a igreja de Jesus além da minha cidade. Um dos momentos mais difíceis para mim foi quando os meninos voltaram para a escola depois das férias e começaram a retroceder no comportamento. Recebi ligações da diretora, tivemos que ir para a escola. Por mais que professoras e diretoras tivessem sido extremamente compreensivas e pacientes, eu tive muita dificuldade. Hoje, vejo: o problema não era a escola, nem as crianças, era eu! Naqueles dias de trevas, eu sabia para quem ligar – Ingrid e Marcos.
Ingrid e Marcos são um casal de Curitiba. Sempre nos encontrávamos nos eventos da igreja e do ministério. Eles já tinham três filhos adultos quando ouviram o chamado de Deus para a adoção, mas não qualquer adoção. Um dia, Deus falou com eles sobre os “inadotáveis”, que são crianças de perfis difíceis para adoção (grupo de irmãos e mais velhos). Eles aceitaram o convite do Senhor e adotaram cinco irmãos! De uma vez só!
Ingrid para mim é um exemplo, uma mentora, uma mãe mais velha e madura que está lá na frente da estrada em que eu estou lá atrás. Sempre que olho para ela, vejo uma leoa (cheia de filhos ao redor, óbvio, mas uma leoa). O Marcus, eu e o Angelo sempre comentamos, é um cara que nasceu para ser pai. Parece que Deus olhou para e disse: “seu ministério, sua vocação será ser pai”. Ele é um homem calmo, focado, sábio, cheio de amor, um pai por excelência. Os dois entraram tanto no mundo da adoção que hoje lideram um grupo de apoio para adoção fantástico na cidade deles. Eu tive a graça de poder ligar para a Ingrid e dizer: “precisamos de ajuda!”. Ela e o Marcus nos atenderam via Skype. Conselhos e palavras que valeram ouro.
Uma vez li em um livro que igreja é um lugar macio para cair. Em outras palavras, é o lugar onde você pode ser você mesmo e deixar suas fraquezas virem à tona porque através do evangelho e das amizades espirituais você será amparado e ajudado. A maternidade trouxe para fora o melhor e o pior de mim. Em dias de vitória, eu pude contar com minhas amigas Eliza, Bárbara, Roberta e Késia para celebrar. Em dias difíceis, eu pude ouvir conselhos, ser animada, exortada e muito fortalecida na fé. Vê-las como mães me ajudou muito a dosar minha maternidade. Em dias de choro, elas eram “meu lugar macio para cair”.
Se você pretende algum dia adotar ou está se preparando para essa maravilhosa aventura, fique avisado: é uma aventura mesmo. Você corre riscos! Se por um lado eu defendo que adoção não é um bicho-papão, por outro eu também digo: você pode ver monstros. Sendo bem honesta, eu tenho lá minhas preocupações quando vejo alguns casais bem empolgados com a decisão de adotar crianças. Isso porque, algumas vezes, sinto um cheiro de imaturidade, ingenuidade e um romantismo utópico.
Ter filhos, adotar e, especialmente, a adoção tardia é algo visceral. É algo que pode trazer para fora todos seus medos e fraquezas. Pode ser algo duro, doloroso e exigir uma força emocional descomunal. É preciso se livrar do egoísmo, da imaturidade, da desconfiança e todos os inimigos que nos impedem de sermos adultos maduros para acolher uma criança imatura. Outra forma de dizer tudo isso é: precisamos de Cristo! Precisamos do Deus que é “pai de órfão” (Salmo 68:5), e “do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome” (Efésios 3:15). Mas como o encontramos de forma mais real, se não através de sua Igreja?
¹MOORE, Russell D. Adoção: sua extrema prioridade para famílias e igrejas cristãs. (Editora Monergismo).
²No Brasil, após concluído o processo de adoção (quando os adotantes recebem a guarda definitiva da criança e se tornam pais oficialmente) não é possível “devolver” a criança. Contudo, durante o período de guarda provisória, infelizmente isso é relativamente possível e costuma ser mais frequente do que se imagina. São comuns casos de famílias que, após meses ou anos com a criança, optam por devolvê-la à Justiça (para o abrigo) sob as mais diversas justificativas. Confira essa triste reportagem da BBC: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40464738
3 Comentários
-
Rafaela Tenorio
Como sempre, Carol muito verdadeira e amável em sua palavras, mesmo quando o assunto é sério e parece te jogar contra a parede, o faz com amor e sabedoria. Vejo Deus em sua vida e família. Obrigada por compartilhar ♥️ Esse blog é maravilhoso Parabéns a todas as envolvidas Benditas 😍♥️
-
Bárbara Vasconcelos
Relendo essa série sobre adoção, que confrontador! Não somente sobre o assunto principal mas também sobre ser essa rede de apoio, entendendo que nós enquanto igreja precisamos ser esse lugar macio para cair. Sou solteira, mas esse desejo por adoção é latente dentro de mim,e ler sobre experiências de vida real é extremamente necessário, para desfazer tantos contos que vemos por aí. Espero voltar aqui um dia para compartilhar com vocês a minha jornada. Obrigada Carol, obrigada benditas!
Gisele
Carol, que Deus continue auxiliando vocês e a comunidade a amar seus filhos! Belo texto. Que história linda!