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Diário de Adoção #01 – A adoção em minha vida

*Por Carol Bazzo

Minha história, primeiro contato e o que nos fez entrar no mundo da adoção

Enquanto escrevo este diário, completamos exatos um ano, um mês e sete dias que os meninos vieram definitivamente para casa. Mas, confesso, parece muito mais! Esses números são muito pouco diante de tanta história que já vivemos juntos. E é exatamente por isso que decidi escrever esse diário registrando nossa jornada de adoção. Vivemos tantas experiências e aventuras que eu mesma não quero deixar isso desaparecer da minha memória. Quero deixar registrado para mim mesma (talvez para aquecer e animar meu coração em dias difíceis), para os meninos lerem quando forem  adultos ou, quem sabe, eu leia para meus netos um dia. Quero também compartilhar para os outros como Deus foi criativo e generoso quando decidiu formar nossa família. 

Antes de começar esse diário contando minha jornada de mãe do Miguel e Gabriel por vias de adoção, eu preciso contar como a adoção chegou em minha vida. E não foi depois de casada tentando ter filhos. Eu fui adotada com três dias de vida. Desde que consigo me lembrar, meus pais adotivos (uso esse termo só para ficar claro a quem lê, mas nunca os chamei assim. Sempre foi “pai” e “mãe” mesmo) falavam que eu tinha nascido do coração. Quando eu cheguei, minha nova família já tinha minha irmã Gabi (com dois anos de idade, na época). Mesmo sem o evangelho e sem instrução sobre as dinâmicas da adoção, meus pais batalharam para que eu sempre me sentisse uma filha legítima – e eu realmente sou. 

Meu pai, minha mãe, minha irmã Gabi (com 2 anos) e eu com poucos dias de nascida.

 

Lembro dos meus pais comprando presentes iguais para as duas filhas, para nenhuma se sentir menos do que a outra. Lembro do cuidado que eles tinham para que os familiares não me tratassem diferente e também que eu soubesse da minha história desde pequena para não sofrer aquele impacto que alguns filhos adotivos têm ao descobrir que não são filhos biológicos.

Lembro com muita clareza de um dia específico, eu deveria estar com uns sete anos de idade. Eu e minha irmã mais velha estávamos brincando no playground do prédio, quando minha mãe pediu que eu subisse para casa sozinha (só eu, sem minha irmã), o que era algo anormal, porque eu e Gabi sempre andávamos juntas, e ela era tipo a líder da nossa dupla. Quando cheguei no quarto, minha mãe estava sentada no sofá, com tecido, agulha e linha nas mãos. Ela estava bordando alguma coisa, e, então, me chamou para perto e disse algo mais ou menos assim: 

“Minha filha, você sabe por que a gente sempre fala que você nasceu no meu coração e não na minha barriga?”

Não lembro o que respondi, mas ela continuou: 

“Você nasceu na barriga de outra mãe que não podia te criar porque não tinha condições financeiras. E porque ela te amava muito ela te deu pra mim para eu ser sua mãe.”

Ela continuou contando detalhes da minha história, e eu lembro de me sentir uma pessoa importante e bem adulta por ter tido a honra de ter uma “reunião especial” sozinha com minha mãe, tratando de assuntos sérios, embora eu não conseguisse entender tudo aquilo perfeitamente. 

Esse dia talvez tenha sido o segredo da minha jornada pessoal de adoção ser bem sucedida em nossa família. Esse sempre foi um assunto normal pra mim. Assim como alguns bebês vêm ao mundo por um parto normal e outros por cesárea, eu costumava pensar que alguns nasciam da barriga e outros do coração, como eu. 

Quando eu estava com uns 11 anos de idade, meus pais resolveram “ter mais um filho” – dessa vez um menino. E, agora, na fase da adolescência, eu pude acompanhar outra história, a da adoção do meu irmão. Assim como a minha chegada, o João chegou em nossa família bebezinho. A adoção dele e a minha foram adoções fora do sistema legal, conhecida como “adoção à brasileira” (em que os pais ou família biológica dá a criança à uma nova família à parte de acompanhamento legal. Desde 2009, depois da nova lei da adoção que luta contra a venda e tráfico de crianças, a prática é considerada ilegal no país, embora tenha sido muito comum em décadas passadas). 

Não posso dizer que as duas jornadas de adoção da minha família foram fáceis. Por ter sido à parte do sistema judiciário, sofremos no caminho e carregamos nossas cicatrizes daquilo que agora é só história e passado. Mas confesso que esse foi um dos motivos para, depois de casada, optar pelo caminho legal na busca por um filho por adoção. 

Quando casei com o Angelo, em 15 de julho de 2010, nós dois já tínhamos entre nós a concordância de experimentar a adoção, mas decidimos mais ou menos assim: “primeiro vamos ter um filho biológico. Depois, quando estivermos mais experientes, adotamos o segundo ou terceiro”. No primeiro ano de casada fiz uso do anticoncepcional. Era um ano extremamente desafiador de nossas vidas como missionários em um seminário bíblico, bem precário na época. Em poucos meses, e ainda sem muitos recursos, eu já queria tentar ter filhos. Angelo estava mais apreensivo e eu já querendo me jogar na maternidade. No segundo ano, paramos com a prevenção e eu ficava entre a tensão e aquela ansiedade gostosa a cada mês, esperando meu ciclo atrasar. 

Os casais de amigos começaram a engravidar, ter filhos e a gente nada. Mulheres mais velhas me aconselhavam a não ficar ansiosa porque atrapalhava. Irmãos e igrejas inteiras começaram a orar por nós. Anos se passavam. Nos aconselharam a ir ao médico. Fomos. Descobrimos que, embora todo mundo orasse com a mão no meu ventre, o problema (que era muito grave) estava com o Angelo. Nossas chances de engravidar eram menores que 1%. Muitos nos animaram e falaram em milagre, e nós acreditamos (assim como continuamos acreditando que o Senhor pode operar esse milagre ainda hoje e o receberíamos com muita alegria). 

Depois de quase seis anos nessa espera, entre médicos, exames e oração, voltamos a pensar seriamente em adoção. Por algum motivo, que eu não sei bem explicar, não avançamos na opção de reprodução assistida (fertilização). Hoje, depois de estudar um pouco sobre o assunto, vejo que não ir nesse caminho foi melhor para nós como cristãos, mas isso é tema para outra conversa.  

Comecei a ler sobre adoção. O primeiro livro que li despretensiosamente foi de uma autora brasileira, não-cristã, chamado As aventuras da adoção*. A história aqueceu o meu coração, mas não tanto quanto as histórias que vi pessoalmente. Durante aquele mesmo ano, um casal de amigos da nossa igreja (Nuno e Samantha) decidiu adotar e entrou na fila de adoção (se habilitaram e entraram para o Cadastro Nacional de Adoção). A minha amiga Samantha não era alguém que tinha experiência com criança, nem era daquele tipo que sonhava em ser mãe. 

Certamente ela e o Nuno viveriam felizes sozinhos o resto da vida com os cachorros e todos os bichos que eles tinham. Mas num dia, do nada, ela teve uma experiência muito forte com Deus sobre adotar. Lembro como se fosse hoje, ela no portão da minha casa me contando isso com lágrimas nos olhos. Eu não me lembro quanto tempo demorou, mas o Nuno e a Samantha adotaram três irmãos – Kauã (10), Gabriela (8) e Felipe (2). Eu estava familiarizada com adoção de bebês – essa era minha história, a história do meu irmão. Mas adoção de crianças mais velhas (e ainda mais grupo de irmãos!)… tudo isso era uma novidade para mim! 

Nuno, Samantha, Kauã, Gabi e Felipe.

 

Nossa igreja inteira se envolveu com a chegada do Kauã, da Gabie do Felipe, e foi um privilégio para nós acompanhar todo o processo até a chegada da nova Certidão de Nascimento deles com os novos sobrenomes! Na época, eu e o Angelo considerávamos adotar uma criança de até três anos de idade. Eu queria ficar o mais próximo possível do tipo de adoção que conhecia e que me parecia seguro. Convivendo com crianças de cinco, seis e sete anos, meu coração começou a se abrir para crianças maiores. Aliado a isso, percebemos o óbvio sobre adoção no Brasil: quanto mais nova a criança, mais você vai esperar na fila de adoção. Eu já tinha mais de seis anos de casada e não queria ficar mais seis ou 10 anos na espera. 

Nuno, Samantha e as crianças com as novas certidões de nascimento.

 

Pouco tempo depois, mais um casal de amigos muito próximo a nós decidiu pela adoção. Roberta e Felipe eram muito mais sérios do que a gente na decisão – enquanto nós só falávamos que queríamos adotar, eles já tinham ido no fórum entrar com o pedido de inscrição**. Aprendi tudo sobre o processo de adoção com eles e foi com eles que fizemos o curso para habilitados em adoção no Fórum da nossa cidade. Quase um ano depois disso, tivemos o privilégio de também acompanhar a chegada da Bia (10) e da Clara (9). Lembro como se fosse hoje, eu e o Angelo estávamos na cama prontos pra dormir, quando chegou uma mensagem da Roberta no Whatsapp: “A assistente social nos ligou e acabou de enviar a foto das meninas falando pra gente ir conhecê-las”. Eram duas fotos lindas, as meninas eram lindas! Meu coração gelou, depois aqueceu. Acompanhamos todo o processo: a primeira visita, as primeiras fotos, as primeiras férias delas na casa nova, o fim das férias e o início da vida normal com rotina, os desafios da nova família. Tudo me pareceu tão normal – com altos e baixos, desafios e vitórias, como toda família é! 

 

Roberta, Felipe e as meninas (Clara, à esquerda, e Bia, à direita).

 

Um dia, quando as meninas já haviam se adaptado e nós já éramos os tios amigos próximos delas, a Clara me perguntou: “Tia, quando seus filhos vêm?”. Eu respondi: “Não sei, Clarinha. Mas deve ser logo. Quando eles ou elas chegarem, você vai me ajudar a cuidar deles?”. Ela me respondeu, rindo: “Ajudo, tia, pode me chamar”. Mais de três anos depois dessa conversa despretensiosa, me emociono ao lembrar e perceber que a Clara e a Bia são hoje as melhores amigas dos meus filhos Miguel (8) e Gabriel (8), e foram também as grandes responsáveis por me dar coragem de ter dito “sim” à adoção de crianças mais velhas. 

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Carol Bazzo é esposa de Angelo Bazzo e mãe, por via de adoção, dos gêmeos Miguel e Gabriel. É formada em jornalismo, mestranda em Teologia Histórica, professora de História da Igreja e diretora da Escola Convergência, uma escola de teologia online. Atualmente mora na cidade de Monte Mor, interior de São Paulo, onde auxilia seu marido na Igreja Cristã Convergência.

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* “As Aventuras da Adoção”, Paula Abreu. Editora Thomas Nelson Brasil.

** No Brasil, as etapas do processo de inscrição para adoção são as seguintes: 1) O casal deve procurar a Vara da Infância e Juventude do seu município para falar do seu interesse. 2) É feita uma petição de inscrição para a adoção lá mesmo. 3) O casal deve apresentar os documentos solicitados, que inclui declaração médica de sanidade física e mental. Além disso, o casal deve fazer um curso de preparação para adoção (oferecido pela própria Vara) e passa por uma entrevista com psicólogo e assistente social. 4) Os resultados dos testes e documentos são enviados para o Ministério Público e o juiz dá a sentença se o casal foi aprovado ou não para entrar na fila de adoção. A partir desse momento, o casal é considerado “Habilitado para Adoção”. Para mais informações, acesse: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao/passo-a-passo-da-adocao/

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