Depressão: quando um abismo chama outro abismo
Um abismo chama outro abismo..
Salmos 42.7
Quando meditamos no Salmos 42 percebemos claramente a saudade, melancolia, desalento, angústia e abatimento físico sofridos pelo seu autor. Ao perceber seus sentimentos, o salmista apresenta diante de Deus suas emoções, pensamentos e relata sua tristeza profunda. Tal relato me faz pensar em sintomas depressivos e gostaria de tecer alguns comentários a respeito desse experiência, com atenção para seus aspectos orgânicos e psicológicos.
Por aspectos orgânicos entendemos os fatores biológicos que envolvem estruturação química do cérebro e herança genética. A estruturação química é composta por neurotransmissores tais como serotonina, dopamina e noradrenalina, dentre outros hormônios, que, combinados e balanceados adequadamente, irão proporcionar a estabilização de nosso humor. Por exemplo, a serotonina ajuda a relaxar e a controlar os impulsos, a dopamina nos dá motivação, sensação de prazer, e a noradrenalina nos fornece a energia. Já a herança genética é composta pelas informações genéticas que recebemos de nossos pais. Se há histórico de depressão entre nossos antepassados, isso pode significar uma queda ou menor produção desses hormônios responsáveis pela estabilização do nosso humor. Muitas vezes, tal situação precisa ser corrigida com o uso de medicamentos antidepressivos ou estabilizadores do humor. Essa avaliação é feita por um médico.
Os aspectos psicológicos da depressão são a forma como pensamos, como nos sentimos e o significado ou a interpretação que damos ao que nos acontece. Ou seja, como lidamos com as vicissitudes da vida. Como lidamos com a morte, a separação de namoro ou casamento, a dispensa do emprego, ou até com uma promoção, que pode significar aumento de responsabilidade e de cobranças, além do salário, e aumento de ansiedade.
A queixa e os questionamentos
O deprimido tende a enxergar o mundo a partir de lentes cinzas, dando maior atenção aos aspectos ruins de sua vida, sem conseguir enxergar boas perspectivas no “fim do túnel”. A depressão é caracterizada pelo aumentos dos pensamentos negativos e diminuição de pensamentos positivos. Ela se diferencia da tristeza normal, porque é incapacitante e leva a pessoa a se afastar das atividades normais da vida, como trabalho, estudos, relacionamentos.
“Um abismo chama outro abismo ao fragor das tuas catadupas, todas as tuas ondas e vagas passaram sobre mim.” (v. 7)
A impressão que temos quando estamos com depressão é que estamos morrendo. As nossas forças esvaem-se e o desalento e o desânimo tomam conta de nós, como ondas que vão nos submergir. A propósito, a etimologia da palavra desanimo é sem “ânima”, sem alma.
Em seguida, o salmista tenta mudar de pensamento e faz uma declaração de confiança em Deus:
“Contudo, o Senhor durante o dia me concede a sua misericórdia e à noite comigo está o seu cântico.” (v. 8)
Quando o salmista lembra que Deus é misericordioso e lhe proporciona alegrias, ele começa a fazer declarações de confiança em Deus, acalma a alma e afasta os sentimentos de tristeza profunda. No entanto, vemos que, às vezes, os pensamentos negativos voltam e os sentimentos de angústia tornam-se recorrentes. Então, ele questiona a Deus:
“Por que te esqueceste de mim? Porque hei de andar eu lamentando sob a opressão dos meus inimigos? Esmigalham-se-me os ossos, quando os meus adversários me insultam, dizendo e dizendo: o teu Deus, onde está?” (v. 9 e 10)
Em sua pergunta, o autor revela sua preocupação com a avaliação do outro, com o que pensam sobre ele e quase culpa a Deus por ter se afastado dele. Se pensamos que Deus foi malvado conosco, que nos castigou por algo que tenhamos feito, ou que foi injusto, é possível que um misto de tristeza e de decepção em relação a Deus apareça e, se esse pensamento não for afastado, circulará em nossa mente, nos deprimindo ainda mais. São pensamentos irracionais carregados de sentimentos de vitimização.
Ele também percebe seu próprio abatimento e até um quantum de perturbação, como uma ansiedade. A ansiedade é caracterizada por uma preocupação aumentada com o que está por vir, e com uma sensação de pressa/angústia, como um desejo intenso por resolver logo a situação. A emoção que embasa a ansiedade é o medo.
“Por que estás abatida, oh minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?” (v. 11a)
Nesse verso, sua atitude é como olhar-se num espelho e perguntar-se: O que eu estou pensando? O que está passando por minha cabeça? Como assim? Faz sentido o que eu estou pensando? Quanto de verdade tem nisso?…Olha como estou me sentindo!
É importante que façamos esse movimento. Se pudermos começar a pensar “De que outra maneira eu poderia ver essa situação?”, a intensidade da nossa tristeza, decepção ou angústia começa a baixar. Se reconhecemos que somos miseráveis pecadores, que merecíamos a morte como o salário do pecado, mas que fomos alcançados pela bondade de Deus e agraciados por sua misericórdia, saímos da posição de vitimização para a posição da gratidão. A gratidão favorece lembranças positivas e bons pensamentos que tendem a gerar bons sentimentos, e trazem de volta a esperança e a saúde. Declarações de confiança em Deus, de quem Deus é, do que fez e faz por nós, sua bondade e misericórdia nos ajudam a sair da prostração em direção ao recobramento do ânimo.
A perspectiva
“Espera em Deus pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu.” (v. 11b)
A atitude de falar consigo mesmo “espera em Deus” tranquiliza o nosso coração e acalma nossa mente. Reconhecer que ele é meu Deus, que não estou sozinho, que ele é Maravilhoso, que é meu auxílio e estará comigo em todas as situações me ajudará a passar pelos vales mais profundos, me trará alento e me fará sair do vale mais fortalecida do que entrei.
É preciso olhar para os aspectos orgânicos e psicológicos da depressão. Talvez uma avaliação do médico possa nos ajudar, bem como uma avaliação mais racional dos nossos pensamentos. Insista nas declarações de confiança em Deus, nas orações e apresente diante dele suas angústias e medos. Questione-se e arrependa-se de suas crenças distorcidas a respeito de Deus, a respeito de si mesma e a respeito do outro e ele trará a paz e o equilíbrio de que carecemos. Que o Senhor nos ajude a desenvolver uma atitude de gratidão por quem ele é e pelo que tem feito por nós.
2 Comentários
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Talita cabine Gomes Trindade
Muito clara, e objetiva nas explicações. Nunca tinha prestado atenção nesse capítulo. E depois que passei por uma depressão, eu vejo que já passei um pouco desse lamento do salmo 42.
Ariane Vilas Boas
Nunca li algo tão verdadeiro sobre depressão, e melhor ainda baseada na Bíblia. Obrigada por essa sensibilidade de dizer em palavras o que sinto todos os dias da minha vida. Estou me sentindo menos pior e com belos conselhos para tentar mudar minha vida. Que Deus continue a lhe usar.