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A Estética da Casa e a Beleza da Vida

Quando ainda pré-adolescente, entre 11 e 14 anos, me lembro de visitar a casa de uma tia minha. Toda a casa estava sempre impecável: faxinada e com o piso brilhando; na cozinha, tudo guardado em seus devidos lugares e o fogão limpíssimo; os quartos com as camas arrumadas e com ursinhos ou bonecas enfeitando; um brinco de banheiro, com toalhas sempre secas e cheirosas; não havia poeira em nenhum lugar da casa! A sala com seus sofás chiques que pareciam nunca terem sido usados. Mas o que mais me chamava a atenção era que os brinquedos dos meus primos estavam sempre nas caixas em perfeito estado, intactos, inteiros, e… sem uso. Me lembro dela falando: “olha como os meninos são cuidadosos com os brinquedos, abriram só no dia que ganharam e eles deixam na caixa!” Confesso que achava estranho o fato de meus primos não brincarem com brinquedos tão legais e bonitos que eu mesma não tive, mas não tinha maturidade para inferir nada a respeito daquilo, nem sobre a super, mega, power organização doméstica que minha tia impunha.

Uma Lição da Experiência

Então casei-me, e me lembro da “neura” da limpeza e arrumação, especialmente no primeiro ano. Ter a própria casa, cozinhar e receber visitas era a melhor parte, e fui me dando conta que não era muito fácil manter uma excelência na rotina pesada que precisava carregar (trabalhava 8h em escritório, estudava no seminário teológico à noite). No fim de semana sobravam algumas horas para limpar e arrumar tudo e principalmente lavar a roupa antes de sair de casa para os compromissos eclesiásticos. Mas ainda conseguíamos manter essa rotina de trabalho e cuidado da casa. Após três anos de casada, engravidei. As demandas básicas de trabalho e igreja eram as mesmas, mas quando minha primeira filha nasceu tudo mudou nessa rotina. Havia a necessidade de uma adequação, e quando se é mãe pela primeira vez todas as questões sobre a maternidade, fraldas, amamentação, brinquedos, entretenimento e todo o resto de coisas do mundo infantil invadem sua mente e sua vida. O tempo foi passando e, assim como a minha rotina mudou, a casa também mudou: a neura de organização foi tomando outro lugar em minha forma de pensar. Manter todas as demandas diárias de trabalho, casa e fins de semana na igreja era um desafio para mim.

O marido ajudava com o que podia, mas também sentia a sobrecarga. Embora ganhando pouco, contratamos uma ajudante, e mesmo assim a combinação de trabalho, faculdade e igreja esticava a corda. Sobrevivi, é verdade, e a força da juventude ajudava. Mas me lembro de várias vezes não conseguir “arrumar” a casa como queria e simplesmente fechar a porta do quarto da minha filha, porque eu não havia conseguido guardar os brinquedos espalhados pelo chão e muitas vezes pela casa, enquanto a louça enchia a pia da cozinha, a roupa ainda girava na máquina, e o marido dava aulas no turno da noite. A senhora Frustração chegava de mansinho e a sua amiga mais próxima, que atende por nome Culpa começam a tomar um lugar especial na minha mente e na casa. E num dia desses, em que eu discutia com a Frustração e a Culpa, me lembrei da história que relatei no começo dessa conversa, sobre a casa da minha tia… e entendi o que estava acontecendo. As peças que faltavam em meu quebra-cabeças moral foram encontradas, e além de entender o que me incomodava naquela casa da pré-adolescência, tive a coragem para convidar a Frustração e a Culpa a se retirarem do meu lar. Por que eu achava aquela casa esquisita? Porque era muito “plástica”, não parecia realmente uma casa de verdade, com pessoas de verdade morando nela. A sala só era usada quando alguma visita estava ali… e entendi por que os brinquedos estavam intactos: as crianças dela não brincavam (fato que depois confirmei perguntando diretamente à minha tia).

Entendi a parcela de culpa do meu marido no espalhamento dos brinquedos pela casa – ele brincava muito com as nossas filhas! E às vezes também não dava conta da perfeição. Nesse dia, me lembro que separei uma das paredes do quarto da minha filha para ser a parede de artes, em que ela podia desenhar, rabiscar, fazer o que quisesse naquela parede. E quando chegou a filha caçula, muitas questões sobre a casa já estavam resolvidas e mais leves para mim. Meus relatos podem causar reações opostas: talvez, para algumas leitoras, eu seria a mulher que chutou o balde e largou a casa desorganizada em nome da felicidade interior; que exagerei, e que minha tia estaria certa. Talvez suposições próprias, como “eu faria assim ou assado” comecem a tomar forma nalgumas mentes.

O Cuidado do Lar

Mas quero insistir no valor da minha experiência, e gostaria de chamar sua atenção para a necessidade de cuidado, ao planejar a ordem do lar. Do relato da história sobre minha tia, conseguimos pinçar claramente quais os valores ela tinha em alta conta; ela até podia ter um discurso convincente, sobre como ela seria apenas uma mulher que gostava de uma casa limpa todos os dias (e eu também gosto!), mas o seu modo de viver revelava o que realmente importava para ela: crianças sem brincar com os próprios brinquedos, comer sem sujar nada e imediatamente ao terminar a refeição lavar tudo e guardar, um marido que trabalhava sem parar para custear todas as despesas com a casa e empregadas. A casa sempre estava linda e perfeita, mas as pessoas estavam tristes… E esse é o nosso desafio: quais são nossos verdadeiros valores em relação ao dinheiro, a rotina e a organização da casa? Como você organiza sua casa reflete em muitos aspectos e determinam no resultado da rotina de sua casa. Não quero aqui enumerar uma lista de certos e errados, ou receitas de como fazer isso e aquilo em relação à estética de sua casa. Não é que isso não possa ser feito, nem que não seja interessante, mas que há uma questão mais profunda e anterior: uma questão sobre onde está a verdadeira beleza do lar. Eu gostaria de cooperar para que você consiga florescer nesse entendimento e nessa prática: Qual é a beleza que desejo expressar em minha casa? Para o máximo de clareza, aí vai a minha checklist:

  • Conforto: preciso de móveis e decorações que convidem as pessoas a permanecerem ali e relaxarem; preciso balancear beleza estética com a familiaridade caseira; mesmo com poucos recursos, preciso ser intencional sobre isso;
  • Paz: preciso dimensionar e administrar os conflitos, buscando sempre pacificar e reconciliar; preciso transmitir graça com as palavras, proteger a hora das refeições, e separar os momentos de confronto dos momentos de encontro;
  • Rituais: preciso melhorar a ordem e organização dos espaços e dos tempos; as coisas devem servir a um modo de vida no qual Cristo seja o centro e cada coisa importante tenha seu lugar, no espaço físico e no espaço da agenda. Como tomar café da manhã na mesma mesa, com a comida que cada um gosta, e orar juntos ao final todos os dias, por exemplo;
  • Hospitalidade: preciso receber as pessoas com uma boa comida, cama arrumada e toalhas cheirosas… um chocolate como “mimo” também é bem-vindo. E isso não apenas com visitas, mas especialmente com a minha própria família;
  • Amor: preciso me dispor a servir e inúmeras vezes sacrificar minha vontade e conforto, e escolher os outros antes de mim mesma; não posso cultivar na casa o hábito das cobranças legalistas e de fazer só minhas obrigações;
  • Respeito: preciso respeitar as pessoas que convivo e perceber se há algum tipo de abuso por minha parte por ser a “dona da casa”; preciso criar um ambiente de liberdade, no qual os limites de cada um sejam considerados, e o respeito flua em todo tempo;
  • Espiritualidade: preciso ter em minha rotina disciplinas espirituais (jejum, oração, meditação nas Escrituras), honrar a Deus de tal forma que todas as minhas decisões glorifiquem a Ele, e encher a atmosfera da casa com a fé em Cristo. Defino como valores o que é muito importante em minha vida, e como gasto meu tempo revela muito sobre meus valores. E não tenho que escolher somente uma das esferas que mencionei acima; posso intencionalmente plantar sementes das virtudes que faltam, ou restaurar as que estão morrendo, e continuar cuidando para que as áreas que já estão florindo permaneçam e possam se harmonizar entre si para glória de Deus.

Moldando o Espaço

Criar um momento bom para quem recebemos como hóspedes é mais fácil do que fazermos o mesmo para a nossa família (e isso vale não apenas para pais, mães e irmãos; o desafio é o mesmo para os filhos e filhas que moram com seus pais). Precisamos trazer nossa família para a nossa casa, atraí-la para o lar, pensando em espaços (físicos e temporais) para que ela se sinta incluída e recebida. Espaços como um filme com pipoca, uma caminhada com seu marido ou seus filhos e o cachorro, ou uma sopa quente em noite de chuva com velas na mesa de jantar, conversando sobre como foi o dia de cada um. Uma “noite do hamburger caseiro” ouvindo as playlists preferidas, ou outra compartilhando a sala de estar e jogando conversa fora – e isso é tão importante! – com estatísticas meteorológicas sobre a quantidade de raios em tempo de chuva que incidem na sua região, ou com os novos lançamentos em filmes de super-heróis! Sobre os assuntos mais simples e triviais até os mais complexos e interessantes é possível ter boas conversas em família, se dedicamos tempo, refreamos a tentação de “lavar roupa suja” na hora errada, e damos atenção ao pequeno universo que se senta ao nosso lado. Cada cômodo em nossa casa diz alguma coisa: “entre” ou “não entre”; “cuidado com os objetos frágeis”; ou “não sente em meu caríssimo sofá de couro”; ou “encoste aqui para uma boa leitura ou uma soneca”; ou “tá com fome… vamos resolver isso!”; ou “cada um assiste a seu próprio filme”.

Enfim, a casa fala. Criar um ambiente agradável para viver em família (e com amigos) é necessário, e a casa humana, pensada para abrigar pessoas, sempre estará viva organicamente. Não me refiro necessariamente a reformas que custem muito dinheiro ou gastos com nova mobília, mas à criação intencional de um refúgio, de tal forma que todos queiram morar ali ou voltar para casa depois do trabalho ou escola. Segundo Paul Tournier, em seu livro “A missão da Mulher” (pág 47 a 59) no capítulo intitulado “A mulher possui o sentido da Pessoa”, esse sentido feminino seria um dom que Deus nos deu quando nos criou, e se buscarmos exercitar essa graça com todo o nosso coração, Deus a fará florescer. Uma pessoa que me inspira, não somente pelo que escreveu, mas pelo modo como viveu é a missionária e escritora Edith Schaeffer. Em seu livro “The Hidden Art of Homemaking” (ainda não traduzido em português), ela incentiva cada uma de nós a trazer beleza a cada lugar em nossa casa, moldando um espaço bom para viver. Edith era uma mulher que já bem no começo de seu casamento percebeu que a jornada que ela e Francis Schaeffer percorreriam não seria fácil; mas apesar de dias difíceis e de tristezas, ela era resiliente. Fundadores de L’Abri Fellowship em 1955 na Suíça, eles tiveram muitos desafios e ela se desdobrava para que a casa fosse esse abrigo para todos os que chegassem, não apenas nas palavras, mas na beleza. Uma mesa colocada em um canto com um jarro com flores, um abajur naquele outro canto, uma manta em cima do sofá em um dia frio ou uma deliciosa limonada na mesinha na entrada da sala, para os presentes se refrescarem, diz muito: fala sobre amor, cuidado, serviço; beleza, mas num sentido amplo, de uma estética da bondade. Alguma vez você já conversou com as pessoas de sua casa/família sobre o que eles acham da estética da casa que vivem? Não se assuste se as respostas não forem as que você mais gostaria de ouvir, mas esse é um bom medidor para você saber se sua casa que é agradável.

À Mesa

Preparar a mesa para refeições, como o café da manhã (diariamente ou com uma periodicidade que permita reunir todos naquele momento) é muito importante. Na correria da vida que todos hoje vivem, esse hábito perdeu seu lugar em muitos lares. Compreendo que muitas são as demandas de cada pessoa da família, principalmente quando os filhos crescem e tem suas próprias atividades, amigos e encontros; isso é saudável e normal. Mas se possível, com as pessoas que moram juntas (e os que já se foram de casa), é importante sacramentar refeições comunitárias. Compartilhar a mesa é compartilhar a vida. Sentar-se à mesa com o outro é fundamental. Para esse momento, escolha a toalha de mesa que você gosta, vá ao seu quintal (ou floricultura) e escolha algumas flores ou folhagens para compor a mesa; use a louça que seu marido gosta e as xicaras que você ganhou de presente de seu (sua) filha no Natal.

Tranque os conflitos da casa para fora da sala de jantar (se necessário, “combine antes com os russos!”). Quando nos reunimos em torno da mesa muitas coisas boas acontecem, milagres inesperados vem dos céus. Jesus é nosso exemplo de se reunir em volta da mesa com seus amigos e irmãos. Vemos a bênção de Deus em torno daquele momento: ceando eles agradeciam o sustento e provisão divina e compartilhavam a vida. Na ceia Jesus oferecia a si mesmo, e lavou os pés dos próprios discípulos. Ali verdades eram ditas, mas no momento certo (Judas traiu Jesus depois de uma refeição, e mesmo sabendo que isso aconteceria, Jesus permitiu que Judas estivesse ali com os demais todo o tempo). Reúna a sua família para comer pensando em Jesus. Planeje esses momentos de sentar-se com todos à mesa tendo em vista uma experiência completa de compartilhar. Crie a ambiência com boa música. Prepare algo que as pessoas gostem, e não apenas o que é mais prático; use sua louça guardada e bonita, e suje-a. Celebre os sucessos gastronômicos de quem cozinhou para aquele momento. Ore e agradeça a Deus com todos pelas cores e sabores da comida.

Pense na sobremesa e no que vem depois, que pode ser uma conversa ou um filme. Molde os espaços da casa para que as pessoas vivam nela. Busque essa outra beleza, que transparece nos móveis, nas cores e na decoração, mas que é mais do que sensorial. Busque essa beleza da comunhão, do movimento harmonioso que forma um lar. Ao pensarmos em “estética da casa”, o que nos vem à mente é como termos uma visão bonita e aconchegante, como em “casas de Pinterest”, e não há nada de errado nisso. Mas todo o meu esforço, aqui, é o de convidar a você a pensar além disso; a imaginar sua casa como um lugar seguro, hospitaleiro e saudável para a sua família; um lugar no qual ela deseje viver. Convido você a pensar que a verdadeira beleza é a beleza da vida, e que a estética certa para a sua casa é a que enche a sua casa de vida.

Escrito por -

Alessandra de Carvalho casada com Guilherme há 26 anos, mãe da Ana Elisa (23) e Helena (18). Reside em Belo Horizonte e serve na Igreja Esperança. Formada em História, trabalhou 13 anos como professora. Nos últimos anos dedica-se ao Labri Brasil e ao ministério com mulheres na igreja local.

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