cremosescreva • contribua

Benditas na História – Catarina de Lorena

Ilustração original por Rita Robalo

Texto por Rute Salviano Almeida

Ela tornou-se freira para pregar o evangelho às reclusas

 

Catarina de Lorena (Catharine Saube – ? – 1417): “Amando ao Senhor seu Salvador mais do que sua própria vida, lutou firmemente e abriu caminho pela porta estreita para as espaçosas mansões do céu”.

 

No dia dois de outubro, por volta das duas horas da tarde, ocorreu em Montpellier, na França, que certa sentença de morte foi pronunciada e executada no mesmo dia, sobre uma mulher justa e temente a Deus, em Lorena, chamada Catharine Saube […], que deixou carne e sangue nos postes, nas chamas ardentes, no local da execução.

 

Nascida em Tu, na Lorena, Catarina vivia em Montpellier, na França, cidade que redigiu um grande livro com seus registros civis, denominado Talamus, no qual os relatos sobre sua condenação pela Inquisição foram fielmente traduzidos, da antiga língua de Montpellier para a língua francesa. 

No dia 15 de novembro de 1416 d.C., depois de ter sido realizada a missa na igreja paroquial de São Firmino, em Montpellier, Catharine Saube, natural de Tu, Lorena, entrou naquela igreja para se apresentar. Cerca de 15 ou 16 dias antes, ela havia pedido aos senhores e burgomestres daquela cidade permissão para ficar trancada com as outras reclusas no convento da estrada de Lates. Os referidos senhores e burgomestres, e todos os tipos de comerciantes, juntamente com mais de 1500 habitantes da cidade, homens e mulheres, vieram à igreja, nesta procissão geral. Os ditos burgomestres, como patronos, isto é, pais e protetores das freiras reclusas, conduziram a dita Catarina, como noiva, ao referido claustro, onde a deixaram ficar encerrada numa cela.

Foi presumido que a intenção dela ao solicitar admissão no convento foi por sua piedade movida pela ardente fé que nascia em seu coração. Catarina sentiu um santo desejo de revelar às outras freiras reclusas o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo; achando-se suficientemente dotada pelo Senhor. Sua missão foi bem-sucedida e todas as mulheres ali creram no evangelho.

Os mesmos registros públicos referem que no ano seguinte, em 2 de outubro de 1417, era cerca das duas horas da tarde, quando M. Raymond Cabasse, da ordem dos monges jacobinos ou dominicanos, vigário do inquisidor, sentou-se no tribunal, ao lado do portal da prefeitura de Montpellier, na presença do bispo de Maguelonne, do vice-governador, das ordens religiosas e de todo o povo, que encheu a praça da prefeitura.

As acusações contra ela foram: que é melhor morrer, do que irar-se ou pecar contra Deus; que não adorou a hóstia consagrada pelo padre, porque não acreditava que o corpo de Cristo estava presente nela; que não é necessário confessar-se ao sacerdote porque é suficiente confessar os pecados a Deus, e que tem o mesmo valor confessar os pecados a um leigo discreto e piedoso quanto a qualquer capelão; e que não haverá purgatório depois desta vida.

Por fim, foi declarada a sentença definitiva contra ela: “[…] que a citada Catharine Saube, de Tu, em Lorena, que, a seu pedido, havia sido colocada no claustro das reclusas, era uma herege, e que ela havia divulgado, ensinado e acreditado em diversas heresias condenáveis ​​à fé católica”.

Nos últimos artigos sobre sua condenação no livro da cidade, fica evidente quão ousada e penetrante foi a fé dessa mulher; de modo que ela não deixou de atacar o papa, os sacerdotes e as superstições praticadas por eles, e convenceu as freiras com a verdade de Deus. 

Sobre sua sentença e morte, é relatado que: 

Tendo pronunciado esta sentença sobre ela, o vigário do inquisidor, M. Raymond, a entregou nas mãos do oficial de justiça, que era reitor ou juiz criminal da cidade. O povo suplicou-lhe muito em favor dela, para que a tratasse com misericórdia; mas ele executou a sentença no mesmo dia, fazendo com que fosse levada ao local da execução e ali fosse queimada como herege, de acordo com a lei.

Em um acréscimo adicional, o livro da cidade registrou que o bispo de Maguelonne, pregou um sermão veemente e severo sobre Catarina, acusando os que acharam sua sentença de morte injusta, e repreendendo a indignação dos que falaram contra aquele julgamento.

Testemunhas críveis declararam que no referido livro Talamus foi registrado, que algum tempo depois de seu martírio, todo o convento em que Catarina estava confinada foi queimado, juntamente com todas as freiras; sem dúvida por causa de suas crenças.

Sua condenação fez com que pessoas simples fossem incitadas em seus corações a examinar a verdade mais de perto e a apreender à luz do Evangelho naqueles tempos sombrios. Catarina, foi queimada pela Inquisição, mas não foi considerada nem mártir, nem santa, somente herética, sendo muito ousada ao pregar dentro de um convento.

 

 

Fontes:

ALMEIDA, Salviano Rute. Mártires Cristãs – Mulheres que deram a vida por amor a Jesus, Gobooks, 2022.

BRAGHT, Thielem J. Van. The Bloody Theatre, or Martyrs Mirror of the Defenseless Christians. Translated from the original dutch or holland language from the edition of 1660, by Joseph F. Sohn. Elkhart, Indiana: Mennonite Publishing Company, 1886. EBook of The Project Gutenberg, 2021. Disponível em: <https://www.gutenberg.org/files/65855/65855-h/65855-h.htm>. Acesso em: 11 mai. 2022.

Acta Gallica Ibid. em Martirologo. Galico apud: BRAGHT, Thielem J. Van. The Bloody Theatre, p. 330.

Escrito por -

Rute Salviano Almeida é pesquisadora e escritora da História das Mulheres no Cristianismo. Obras publicadas: Uma voz feminina na Reforma, Uma voz feminina calada pela Inquisição, Vozes femininas no início do protestantismo brasileiro, Vozes femininas no início do Cristianismo, Vozes femininas nos avivamentos, Heroínas da Fé (devocionais) e Reformadoras. Licenciada em Estudos Sociais, bacharel e mestre em Teologia, pós graduada em História do cristianismo e membro titular da cadeira 31 da Academia Evangélica de Letras do Brasil. Prêmio Areté 2015 com o livro Vozes femininas no início do protestantismo brasileiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Discípulas de Jesus de diferentes denominações da fé protestante com o propósito comum de viver para a glória de Deus.
Social