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Vamos falar sobre autismo?

Ser mãe de um menino autista é como assistir a um céu cheio de estrelas…

É intenso, fascinante e misterioso; por vezes sentimo-nos perdidos e inseguros, outras vezes deslumbrados e surpreendidos. É uma viagem cheia de emoções fortes que desgastam, mas também uma oportunidade que Deus me deu de poder caminhar mais perto dele.

Alguns slogans e estereótipos parecem romantizar esta que é efetivamente uma perturbação do desenvolvimento. Enquanto família, temos vivido diariamente diversos desafios com o Gabriel: as suas crises devido à sobrecarga sensorial, a incapacidade em lidar com a frustração e de se auto-regular, as dificuldades cognitivas, a sua agitação e curtos períodos de concentração, a sua necessidade de previsibilidade, as nossas preocupações relativas ao seu percurso académico, a sua autonomia e por aí fora. De referir, que autistas não são necessariamente geniais ou com capacidades acima da média como são usualmente retratados nas séries televisivas; existem autistas em todo o espectro, incluindo deficientes profundos e totalmente dependentes, que merecem ser valorizados independentemente das suas competências.

Para os mais curiosos, o Gabriel, agora com 12 anos, teve o diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo (Transtorno do Espectro Autista) confirmado apenas aos 5 anos. Capacidades que pareciam ser extraordinárias e faziam as delícias de todos à sua volta (com pouco mais de 1 ano conseguia identificar as marcas dos automóveis, cores, formas geométricas, números, letras, fazia contagens até 40 e memorizava vários percursos), começaram a diluir-se à medida que foi crescendo e o fosso entre ele e as crianças da sua idade foi aumentando. Aprendi a aceitar e compreendi que dar o meu melhor não passa necessariamente por correr entre terapias e actividades para que ele alcance determinados objectivos importantes para a sociedade em geral.

Como família, acreditamos com toda a convicção e forças, que a bordo deste planeta, todas as vidas têm significado e propósito, independentemente da sua produtividade ou contributo para a sociedade. Honestamente, não creio que tenha um filho autista porque sou “uma pessoa especial”, ”uma mãe extraordinária”, ou porque temos uma família com muitos recursos e capacidades ou até mesmo muito amor para dar. É precisamente o contrário… creio que o Gabriel está na nossa vida para me ajudar a conectar com o Criador, a reconhecê-LO no nosso dia-a-dia, em vez de ficar orgulhosa e arrogante pelos “excelentes resultados” na escola ou outras aquisições que agora me parecem ridiculamente sobrevalorizados; ele oferece-me empatia ao mergulhar na sua forma particular de vivenciar as coisas; “obriga-me” a ser menos individualista e a não me fechar na minha “bolha” de preocupações e metas, levando-me a envolver-me com os outros, valorizando percursos e contributos; reconhecer (e inclusivamente afirmar) que, desde terapeutas, voluntários, médicos, passando pela senhora do portão, professores e assistentes incansáveis, têm sido presentes de Deus na vida da nossa família.

Ele também expõe como ninguém as minhas fragilidades e incapacidades como mãe, de forma dolorosa mas necessária, e traz à luz as necessidades dos meus outros filhos que me passariam despercebidas, relembrando-me uma e outra vez que eu controlo muito pouca coisa (se é que controlo alguma) neste mundo.

O meu filho autista, todos os dias reflecte um Deus criativo e alegre e me impele a dizer aos que o rodeiam que a Sua graça está sobre ele e que eu sei que aconteça o que acontecer, ele está nas Suas fortes mãos.

E o que dizer dos seus abraços fortes e espontâneos na rua a perfeitos desconhecidos de todas as idades? Comovem-nos tanto a nós como ao casal de idosos que se encontra na fila da pastelaria, reconectando-nos uma vez mais para o Criador num misto de gratidão e ternura.

E nas palavras do irmão de 9 anos, “O mano é como deveria ser”.
E é mesmo.

Escrito por -

A Susana Calado é mãe do Gabriel (12 anos), Leonardo Levi (9 anos) e da Benoni Liz (7 anos). É casada com o Miguel e juntos servem na Igreja Congregacional de Paio Pires. Nos últimos anos tem desenvolvido um trabalho voluntário de apadrinhamento de crianças na Guiné-Bissau, país de origem da sua filha mais nova; Estudou Agronomia e interessa-se por temas relacionados com sustentabilidade, nutrição e autismo.

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