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Amamentação e escolhas

Das experiências mais exigentes na nossa vida a maternidade é sem dúvida aquela que nos traz maiores desafios enquanto mulheres, esposas, filhas, profissionais, amigas, entre tantos outros papéis que assumimos na nossa existência. O desejo de abraçar algo tão bonito e que é uma dádiva de Deus muitas vezes acarreta um sentimento de impotência, frustração, cansaço, desespero até, por todas as responsabilidades e rotinas relacionadas com os cuidados de um ser indefeso mas que depende de nós como ninguém. De repente, vemo-nos sugadas para um mar agitado de choro (do bebé e nosso), fraldas, noites sem dormir, quando ainda estamos a tentar encontrar-nos neste novo paradigma: ser mãe.

Procuramos fazer as melhores escolhas dentro do que nos é possível para que o nosso bebé cresça saudável e bem desenvolvido. Lemos muito na gravidez, conversamos com profissionais e pessoas amigas que já passaram pelo mesmo, tudo na expectativa de acertar neste mundo da maternidade. Mas ainda assim, quando o bebé chega, não são raras as vezes em que nos sentimos invadidas por sentimentos de ansiedade e de estar aquém da tarefa em mãos. Recorremos facilmente a comparações com o que nos rodeia e sentimo-nos a falhar. Damos por nós a não sermos mais senhoras do nosso tempo, a não controlarmos muito do que acontece (tínhamos uma falsa ilusão de controlo!) e sentimo-nos perdidas. A boa nova é que Deus não nos abandonou neste barco, mas está ao leme a governar mesmo na pior tempestade. A vivência da maternidade não é para ser algo solitário, em isolamento. É necessário que as mães encontrem a sua “tribo”, outras mulheres onde possam buscar ajuda e por vezes direcção. É muito importante que mulheres cristãs abracem as questões da maternidade, direccionando-as para Cristo. Para que a maternidade não seja centrada em nós próprias mas naquilo que Jesus está a fazer nas nossas vidas capacitando-nos, amparando-nos e fortalecendo-nos nesta bênção que Ele nos deu. Podemos e devemos lançar “sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” I Pedro 5:7.

Uma das maiores adaptações da mãe ao bebé e vice-versa é na alimentação: a amamentação. Não foram poucas as vezes em que acompanhei mulheres muito fragilizadas no pós-parto talvez por um parto traumático, dificuldades na descida de leite, em colocar o bebé a mamar, feridas nos mamilos, dor, dor, dor! Dor física, dor emocional, dor espiritual e uma sensação de que não há luz ao fim do túnel porque agora o bebé está ali e a mãe tem de cuidar dele. O bebé nasceu, depende da mãe, conhece o seu cheiro, o bater do coração, acalma com a sua presença e toque. A mãe que nasceu com a chegada deste bebé está a aprender e precisa de tempo, calma e amparo. Creio que Deus quando criou tudo nos capacitou para gerar, parir e alimentar os nossos filhos. Claro que surgem dificuldades e nem sempre existe sucesso em algo que é natural, biológico e fisiológico. Consequência da queda. Porque Deus na sua perfeição quando fez todas as coisas viu que era bom e ao criar o homem e a mulher viu “que era muito bom” Gn 1:31.

Muitas vezes como mães pomos em causa esta capacidade dada por Deus de cuidar do outro, nutri-lo e consolá-lo. Ouvi muitas mães a encontrarem defeitos em si, no seu corpo e funcionamento em relação à amamentação que não referem a outros sistemas ou órgãos: o meu mamilo não presta, o leite é fraco, deve ter mau sabor, não consigo produzir mais leite. Ou rotularem negativamente os seus bebés recém-nascidos e que apenas usam os seus instintos de sobrevivência como chorar e chuchar: só quer estar agarrado à mama, faz “birra” quando o tiro da mama, é manhoso(a) só quer chuchar. Em primeiro lugar, Deus criou-nos como mamíferos, parimos um bebé e é suposto que ele se mantenha muito próximo da sua progenitora para protecção e alimentação quando necessário. Isto deve acontecer mesmo que o ruído à nossa volta nos grite que não pode ser: ele (o bebé) tem de ficar deitado sozinho, não pode estar sempre a mamar, está a fazer da mama chupeta, não pode estar sempre ao colo, etc. A verdade é que toda a nossa biologia e fisiologia necessita de toque, colo e alimentação em livre demanda, não somos como outros animais com reservas que aguentam até o Inverno mais rigoroso. No passado foram realizados estudos onde apenas eram prestados aos bebés cuidados de higiene e de alimentação estando todo o restante tempo ausentes de contacto físico. Verificou-se uma taxa elevadíssima de mortes e problemas de saúde graves decorrentes da ausência de toque e contacto. Se até em adultos nos sentimos reconfortados com aquele abraço que enche o coração, quanto mais um recém-nascido que não conhece outra coisa que não seja o tocar nas paredes uterinas da sua mãe!

Deus não deixou nada ao acaso, já estaríamos extintos enquanto espécie se não fôssemos dotados desde o inicio da criação da capacidade de nos multiplicarmos e sustentarmos os nossos descendentes, o que implica alimentação natural de bebés através da amamentação. Por isso não, não existe leite materno fraco, inadequado ou que não é vantajoso para o bebé. Hoje em dia já muito sabemos acerca dos benefícios do leite materno e da forma como os seus constituintes se adaptam perfeitamente às necessidades do bebé tal como o encaixe de peças de um puzzle. Por isso confia, o corpo feminino está preparado para cuidar e nutrir o pequeno ser que tens nos braços, ou não fosse o nosso Deus um Deus atento até ao mais pequeno detalhe e pormenor. O meu conselho às mães que duvidam da sua capacidade de amamentar é que acreditem, olhem e vejam como a Natureza está tão bem desenhada e como o seu funcionamento flui naturalmente, em Mateus 6:26 Jesus salienta esse mesmo facto “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo vosso Pai celeste as sustenta (…)”. O mesmo acontece com os nossos corpos cheios de hormonas e que se encontram fisicamente preparados para providenciar o que o nosso bebé necessita. Saliento que são muito raras as situações em que existe de facto uma condição clínica para dificuldades de produção de leite materno, e mesmo algumas destas podem ter ajuda para serem revertidas.

Mães que por alguma razão não amamentaram os seus bebés, este artigo não pretende de forma alguma trazer julgamentos ou sentimos de culpa. Há espaço para que se façam escolhas mediante as opções, situações e dificuldades que são vividas. O meu desejo é que cada vez mais essas escolhas sejam bem informadas acerca dos riscos e benefícios, tanto para o bebé como para a mãe. Que não seja a pressão, os achismos ou a falta de apoio que levam muitas vezes as mães a optar por não amamentar.

Situações de dor na pega, mamilos gretados, doridos, mamas encaroçadas e outras dificuldades que poderiam levar ao desmame, com o apoio e acompanhamento adequado podem ser e são ultrapassadas. Deus também nos capacitou para lidarmos com a adversidade e deu-nos resiliência para com Ele ultrapassarmos obstáculos “não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra fiel.” podemos ler em Isaías 41:10. É necessário também usarmos de humildade para reconhecer que é difícil esta nova etapa e necessitamos de ajuda. Saber pedir ajuda e aceitá-la é um exercício de transformação nos nossos corações onde por oposição o que queremos é vestir a capa de super-mulher e resistir, sem cambalear, a toda a tribulação que carregamos nos ombros. Mas podemos encontrar ânimo e descanso em Jesus que nos diz “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” Mateus 11:28-30.

Com a amamentação, por vezes parece que são só obstáculos e algo que deveria ser natural está mais “mecanizado”. Vivemos numa sociedade que olha muito para o relógio e pouco para os sinais de fome e saciedade do bebé. Registamos nas aplicações de telemóvel se já mamou, o número de fraldas e registos ponderais, mas observamos pouco o estado nutricional e de desenvolvimento dos mais pequenos. Inúmeras vezes recebi questões acerca do que é tido como “normal” nos bebés o que reflecte uma sociedade onde muitos pais cada vez menos contactam e cuidam de outros bebés e por isso manifestam tantas inseguranças em relação ao que é normal e expectável.

Frequentemente, quando a mãe procura o conselho, amparo ou ajuda, culturalmente pode existir uma tentação de substituir o seu papel em vez de ajudá-la a encontrar o seu próprio caminho e forma de maternar. Na alimentação, por exemplo, passa por sugerir ou incentivar ao desmame, ainda que com a melhor das intenções, para que essa 3ª pessoa possa alimentar o bebé e a mãe possa descansar. Penso que existem muitas outras formas de prestar apoio e auxilio a uma mãe cansada. Mas certamente que qualquer mãe vai agradecer um encorajamento acerca do trabalho e esforço que está a ter, de como é importante a sua dedicação ao bebé nestes primeiros tempos tão exigentes, de como ela é capaz porque Deus a capacitará diariamente. Que não está sozinha e que pode contar com outras mães também.

A minha convicção é que é possível e desejável uma amamentação que dê prazer à mãe e ao bebé! Deus não nos daria uma tarefa que fosse além das nossas capacidades e não nos daria uma bênção tão grande, a maternidade, para a seguir ser só caos e sofrimento. E nestes processos de transformação que vivemos ou que assistimos noutras mulheres à nossa volta, como têm sido partilhadas as dificuldades e as alegrias? Que apoio estamos nós mulheres cristãs a oferecer aquelas que abraçam esta nova etapa da vida? Estamos a colocar-nos ao lado e a acolher? Ou a desvalorizar porque também já passámos por desafios semelhantes e estamos de pé? Acolher significa dar refúgio, abrigo ou protecção. Se acolhermos estas mães dando espaço para expressarem as suas fragilidades e conseguirmos fazê-las sentirem-se protegidas, capazes e confiantes nas suas escolhas de amamentação ou outras, vejam como estaremos a tocar as suas vidas com o amor de Jesus que existe em nós. Estaremos a ser bálsamo para as suas feridas, partilhando a carga e celebrando cada vitória. Não cedamos à tentação de desvalorizar as dificuldades das mães à nossa volta só porque já passámos por elas. Lembremos como nos sentimos nessa altura e usemos de amor fraterno para as confortar e encorajar.

Escrito por -

Rita Magalhães tem 36 anos, é casada com o Rui há 8 anos e é mãe do Filipe (4 anos) e da Elisa (16 meses). Serve na Igreja da Lapa em Lisboa, Portugal. É enfermeira em cuidados de saúde primários há 13 anos, dedicou-se recentemente ao apoio de famílias na área da amamentação como Consultora de Lactação.

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