Não caia na teologia da prosperidade sexual
*Por Cecilia J. D. Reggiani
“Eu nunca pensei que meu casamento chegaria a isso, eu fiz tudo certo, me casei virgem…”
“Ele me traiu e olha que eu me casei virgem, mesmo assim ele procurou outra!”
“Me guardei até o casamento e mesmo assim não deu certo.”
“O casamento de fulana não deu certo porque tiveram relações pré-conjugais.”
Essas frases fazem parte de conversas reais entre mulheres de uma igreja e foram enviadas para nós em uma mensagem no Instagram. Elas representam uma das ideias mais enraizadas na mentalidade evangélica: a de que casar virgem é garantia de um casamento bem-sucedido e vida sexual satisfatória.
Se você, como eu, cresceu na igreja, sabe que infelizmente a maioria das conversas sobre sexualidade que descem do púlpito, especialmente quando endereçadas às mulheres, é sobre a virgindade (no caso dos homens, o tema comum é a pornografia). O rico e complexo ensino bíblico sobre como podemos e devemos glorificar a Deus com nossos corpos transforma-se em um aviso: case-se virgem ou seja infeliz.
No meu caso, a mensagem não chegou com tanta clareza, mas era possível ouvir o alerta em histórias contadas “de passagem” no meio de pregações, especialmente em grupos de jovens e adolescentes, sobre casais que haviam transado antes de casar e agora viviam terríveis crises conjugais. A matemática era deixada para nós mesmas e o resultado sempre parecia simples de evitar: se não quero crise, devo me casar virgem.
Seguindo a mesma mentalidade, costumam-se fazer ginásticas semânticas para delimitar aquilo que seria virgindade, no caso, um hímen intacto. Outras práticas sexuais ficam em uma área cinzenta (menos se cometidas em caso extraconjugal, nessa situação ninguém costuma questionar que sexo oral, anal, masturbação e consumo de pornografia sejam uma quebra da fidelidade no leito conjugal). De fato, em nossa pesquisa sobre sexualidade com mais de 5 mil mulheres, 23,5% respondeu que “a virgindade diz respeito à penetração apenas” e 16,6% afirmou não ter opinião formada quando perguntada se uma pessoa que já recebeu ou realizou sexo oral seria virgem.
A virgindade é tida como sinônimo de pureza e passa a ser usada como moeda de barganha no que seria a teologia da prosperidade sexual: “se eu for virgem, Deus vai me dar um bom casamento e uma vida sexual satisfatória”. Assim como multidões têm sido levadas pela mensagem da teologia da prosperidade, em que rios de dinheiro são colocados aos pés de “ministérios” que prometem o “retorno em bênçãos”, como em uma transação de compra do favor de Deus, podemos dizer que o mesmo tem acontecido com as expectativas de milhares de crentes: entregam a virgindade esperando comprar um bom casamento.
Essa mentalidade se manifesta especialmente quando as coisas dão errado. Não é de se espantar, então, o tom de surpresa das frases acima. “Como assim tudo deu errado, se eu casei virgem?”. O complexo relacionamento de um homem e uma mulher em matrimônio é reduzido ao ponto de ficar totalmente dependente de suas experiências sexuais pré-conjugais.
A Bíblia apresenta uma ética sexual muito clara para os seres humanos. O sexo é uma prática reservada para pessoas, um homem e uma mulher, que se comprometem para além da satisfação física e vivem em uma aliança um com o outro, diante de Deus e da sociedade. Ele é um dos muitos privilégios – e desafios! – que um casal pode desfrutar quando se une em matrimônio. A virgindade, porém, não é uma garantia de que o casamento (e tudo o que vem com ele) funcionará como o esperado.
Em quase todas as cartas do Novo Testamento, Paulo e Pedro escrevem a povos gentios que eram recém-convertidos ao Cristianismo. Essas pessoas vieram de culturas e religiões em que o sexo e o corpo humano estavam entregues à práticas totalmente contrárias aos ensinamentos de Jesus. Escravos, por exemplo, muitas vezes eram forçados por seus senhores a praticarem atos sexuais. Ao se converterem, essas pessoas preferiam enfrentar a morte do que se submeter a ordens que contrariavam as Escrituras.
Entre os cristãos gentios, também havia aqueles que, antes de conhecer a Cristo, trabalhavam nos templos pagãos como prostitutas cultuais – homens e mulheres que usavam o sexo para adoração de certas divindades.
Em nenhum momento, porém, vemos os apóstolos colocando o passado dessas pessoas como uma sentença para suas vidas futuras. Muito pelo contrário. Jesus fazia – e faz! – novas todas as coisas.
Mas não é só isso. Também podemos ler nas cartas aos Coríntios o que acontecia quando uma pessoa que fazia parte da igreja cometesse um pecado sexual. No caso da história narrada em 1 Coríntios 5, vemos com que severidade Paulo trata de um dos membros da igreja que teve relações com a mulher de seu pai. Mais para frente, na segunda carta, lemos qual foi a reação dessa igreja para com a admoestação do apóstolo:
Mesmo que a minha carta lhes tenha causado tristeza, não me arrependo. É verdade que a princípio me arrependi, pois percebi que a minha carta os entristeceu, ainda que por pouco tempo. Agora, porém, me alegro, não porque vocês foram entristecidos, mas porque a tristeza os levou ao arrependimento. Pois vocês se entristeceram como Deus desejava, e de forma alguma foram prejudicados por nossa causa. (2 Co 7.8)
A partir da confrontação do pecado, aquela igreja passou por um período de intensa lamentação e tristeza segundo Deus (o arrependimento), que produziram frutos de alegria e maturidade. Veja como esse capítulo termina:
Eu lhe tinha dito que estava orgulhoso de vocês, e vocês não me decepcionaram. Da mesma forma como era verdade tudo o que lhes dissemos, o orgulho que temos de vocês diante de Tito também mostrou-se verdadeiro. E a afeição dele por vocês fica maior ainda, quando lembra que todos vocês foram obedientes, recebendo-o com temor e tremor.
Alegro-me por poder ter plena confiança em vocês. (2 Co 7.14-16)
A virgindade é o que Deus deseja para aqueles que são solteiros. Uma virgindade de coração, corpo e alma. A santidade é o que Deus deseja de todos os seus discípulos, casados, viúvos, solteiros ou divorciados. Discípulos que, aguardam a chegada do Noivo e compõem a igreja pura e santa de Deus, sua Noiva.
A Noiva de Cristo será apresentada diante dele sem mancha, sem rugas, sem máculas. E isso inclui todos aqueles que, diante de Deus, chegaram a Ele com suas bagagens de pecados e as depositaram aos pés da Cruz.
Isso significa que pessoas que chegam ao casamento com passados sexuais não precisam temer “castigo de Deus” e infelicidade. Se Jesus faz novas todas as coisas, então não há pecado se quer que seja maior do que a graça alcançada por Ele no calvário. As palavras do Mestre para nós são: “eu também não te condeno, vá e não peques mais” (Jo 8.11).
Não apenas isso, mas há liberdade também para aqueles que foram cativos dos desejos dos outros contra a própria vontade. Se você está em Cristo, não há um único centímetro da sua existência sobre o qual Jesus não declare: liberto! Não importa o que fizeram a você ou a obrigaram a fazer, fosse você uma criança ou adulta, Deus faz novas todas as coisas.
Não caia na teologia da prosperidade sexual. Sua virgindade não vai comprar um casamento abençoado. É preciso muito mais do que um hímen intacto para que um matrimônio glorifique a Deus e você tenha alegria e satisfação. Os puros de coração verão a Deus, não os virgens.
Obs.: Texto escrito em português do Brasil. Esta plataforma não obedece ao Novo Acordo Ortográfico e respeitas as regionalidades da Língua Portuguesa de acordo com a origem de suas autoras.
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