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O que aprendi com meu filho ateu

Quando comecei a ter filhos, eu iria fazer tudo certo como mãe e os meus filhos cresceriam e teriam vidas cristãs comprometidas. Pelo menos esse era o meu plano. Tantas coisas não acabaram do jeito que eu planejei, mas o Senhor usou algumas dessas dificuldades em minha vida.
Jonathan, meu filho mais velho, era uma criança inteligente e determinada desde muito pequeno. Ele aprendeu a falar bem cedo e, uma vez que isso começou, nunca mais parou. Hoje, ele tem quase 21 anos e nós continuamos a ouvi-lo. Ele sempre amou cantar os Salmos e hinos. Antes de completar três anos de idade, conseguia cantar todos os versos de seu hino favorito, “Fonte És Tu de Toda Bênção”. Aos domingos à noite, quando nossa igreja aceitava sugestões de hinos, sua mão era a primeira a se levantar. Ele tinha muitos cânticos favoritos e muitas vezes pedia o hino que havíamos cantado em casa, durante nosso culto familiar. Quando pequeno, amava brincar de igreja e ganhou um microfone infantil com suporte em seu quarto aniversário. Ele costumava colocá-lo em frente à lareira e dizer “Vamos brincar de igreja” e se frustrava com seus irmãos mais novos, quando estes não ficavam parados enquanto ele conduzia as músicas e pregava seu mini sermão. Mas não eram só brincadeiras; ele gostava de conversar sobre o Senhor, as Escrituras e discutir o que aprendia no catecismo infantil.
Com quatros anos e meio ele me perguntou, “Mamãe, se Jesus pagou o preço por todos os meus pecados, por que ele morreu na cruz apenas uma vez?” Eu tentei explicar, mas ele pareceu intrigado e disse, “Você pode ligar para o pastor agora e conseguir a resposta certa?” Ele também não se satisfez com a resposta do pastor e declarou que era “além da conta”. Quando um amigo pastor da Igreja Presbiteriana Ortodoxa nos visitou, ele deu uma resposta que fez sentido a Jonathan e ele finalmente entendeu. Essas eram o tipo de coisas que ele pensava e tentava entender em uma idade precoce.
Fui encorajada por ver que desde muito jovem ele pensava nas questões da fé cristã. Durante o culto doméstico, ele era animado para aprender, amava fazer perguntas, responder e orava fervorosamente. Determinado a memorizar o catecismo infantil, ele conseguiu decorar as 145 respostas aos seis anos e meio de idade. Algumas vezes nos perguntamos se ele seria um pastor algum dia. Conforme crescia, se tornou cada vez mais apaixonado pela fé cristã. Ele não tinha vergonha e conversava com quem quer que ouvisse. No Ensino Fundamental, começou a aprender mais sobre apologética e ler vários livros cristãos. Continuamos a ter conversas incríveis sobre a fé. Estávamos convencidos de que ele havia depositado sua confiança em Cristo.
Então, tudo mudou.
Eu realmente não posso lhe dizer quando, mas em algum momento durante o Ensino Médio ele começou a questionar as coisas. Nossa família havia entrado em um período difícil. Eu fiquei muito doente e estava toda hora a ir e voltar do hospital e sabia que ele tinha medo de me perder. Minha doença mudou nossas vidas de muitas formas. Ele me observou enquanto passava por dores excruciantes e sofrimento físico. Nós também passamos por muitas perdas juntos. Meus filhos já estiveram em mais funerais do que muitos adultos. Ele testemunhou as dificuldades e mortes prematuras de diversas pessoas próximas a nós, tanto parentes quanto amigos, inclusive o suicídio de um familiar. Nos tornamos bem familiarizados com os horrores do câncer e outras doenças perigosas. Jonathan viu o sofrimento de muitos e o dele mesmo e começou a lutar com a depressão e a ansiedade. Então, ele revelou algo que eu já havia começado a suspeitar. Um dia ele disse uma frase que nunca irei esquecer: “Eu não consigo crer em um Deus que permite que aqueles que O amam sofram tanto”.
Eu fiquei devastada. O que havia feito de errado? Por acaso ele não me viu confiar em Cristo em meio ao sofrimento? Ele não ouviu enquanto eu testemunhava do meu conforto em Cristo durante essa fase difícil? O que eu poderia fazer para que ele entendesse? Alguns anos se passaram desde esse dia, quando meu coração de mãe se despedaçou. O Senhor usou isso em minha vida de muitas formas e eu pude aprender muitas coisas.

A importância da graça em nossa maternidade e paternidade

No mesmo período em que eu percebi pela primeira vez que ele estava questionando as coisas, eu sabia que não demoraria para que ele completasse 18 anos e possivelmente saísse de casa para a faculdade. Eu me fiz uma pergunta: “Qual é a coisa mais importante que eu desejo que meus filhos entendam antes de saírem de casa?” O evangelho era essa coisa, mas como eu faria isso? Eu já pregava a ele desde que era um bebê. Mais ou menos na mesma época, eu conversei com alguém que frequentou a igreja comigo durante minha adolescência. Havíamos nos reconectado depois de muitos anos. Eu sabia que ele havia deixado a igreja, então perguntei “por quê?” Ele respondeu, “Eu nunca fui bom o suficiente para meus pais. Como poderia ser bom o suficiente para Deus?” Sua resposta me chocou, porque a igreja que frequentávamos era excelente em sua pregação do evangelho da justificação somente pela fé. Não fazia sentido para mim como ele obviamente não havia entendido nada sobre o evangelho. Fiz muitas pesquisas, conversei com diversas pessoas sobre isso e me convenci que nós como pais podemos ajudar ou prejudicar o entendimento de nossos filhos sobre o evangelho com nossa maternidade ou paternidade. Com tanta frequência, estamos mais focados na obediência por si mesma do que na razão da obediência. Nós destacamos a pregação da lei em nossos lares e muitas vezes deixamos o evangelho como um pensamento secundário. Isso pode ser muito prejudicial aos nossos filhos.
Ao longo dos anos, aprendi e fui encorajada com as histórias que ouvi de Rod e Ted Rosenbladt (pai e filho). Ambos possuem relatos muito específicas de como entendem o evangelho e o amor incondicional de Deus por eles por causa do amor que seus pais terrenos demonstraram. Legalismo não é a resposta. Só lei e nenhum evangelho não é a resposta. Fazer com que seus filhos obedeçam perfeitamente à parte do evangelho não é a resposta. Notei que todas as vezes que falo sobre a criação de filhos centrada na graça algumas pessoas ficam nervosas ou desconfortáveis por conta de suas suposições sobre o que isso seria. O Dr. Scott Keith, autor do livro “Being Dad: Father as a Picture of God’s Grace” (Sendo Pai: O Pai Como Imagem da Graça de Deus, em inglês), disse algo que acredito ser extremamente importante para a discussão: “Permissividade não é o oposto de graça”. Educar de maneira que demonstre o evangelho não é algo como “hiper-graça” ou um modelo de educação antinomiano. Não é educação permissiva. Embora tentemos demonstrar a graça em nossa casa ao pregar o evangelho para nossos filhos, ainda há regras permanentes e punições para indiscrições. Mas também há oportunidades para demonstrações de graça. Em seu livro, o Dr. Keith conta muitas dessas histórias e faz um tributo ao Dr. Rod Rosenbladt:

Embora eu sempre tenha desejado filhos condescendentes, tenho orgulho de dizer que acho que tenho extinguido esse desejo pecaminoso o suficiente para ter criado filhos graciosos e gentis que sabem que são perdoados por causa de Cristo.

Confiar a salvação dos meus filhos ao Senhor

Não compreendi imediatamente, quando Jonathan confessou sua incredulidade, mas algum tempo depois percebi: confiava em mim mesma para a salvação de meus filhos e não no Senhor. Achei que confiava em Deus para a salvação deles, mas de fato não confiava. Acreditei na mentira de que se simplesmente fizesse tudo certo, os levasse à igreja, ensinasse a Bíblia, orasse com eles, os protegesse do mundo e assim em diante, então é claro que eles confiariam em Cristo e andariam com o Senhor e nunca viveriam em rebeldia. Não estou dizendo que não devemos fazer as coisas que mencionei, devemos sem dúvida treiná-los no Senhor, mas não devemos esquecer que a salvação vem dele. Devemos confiar nele para a salvação de nossos filhos. Por meio do convencimento deste pecado, arrependimento, oração e trabalho de Deus em mim, comecei a confiar nele e algo incrível aconteceu: o Senhor me deu grande paz. O poder de Deus é muito maior do que muitas vezes compreendemos e há grande paz e alegria em confiar em Seu trabalho, bondade e soberania na vida de Seus filhos.
Eu sei que só por escrever e revelar que tenho um filho que não anda com o Senhor, muitas pessoas podem se perguntar “Gostaria de saber o que eles fizeram de errado para que seu filho se rebelasse”. Eu provavelmente pensaria a mesma coisa, a um tempo atrás. E não é porque tenho um filho rebelde que minhas opiniões mudaram. Eu estava errada ao acreditar que a salvação dos meus filhos era um resultado das coisas que eu fiz.
Alguém fez uma pergunta em um grande grupo reformado do Facebook sobre se a culpa é dos pais quando um filho se revolta. Se você me perguntasse a 20 anos atrás, eu teria respondido como a maioria dos pais de crianças pequenas respondeu, “É claro”. Houve uma diferença evidente entre os comentários dos pais jovens e dos pais com filhos mais velhos. Embora, sim, o Senhor pode e irá usar a nossa obediência em treinar nossos filhos na “maneira como devem ser”, mas essas coisas não prometem que eles nunca irão se rebelar. Mesmo que tenhamos filhos em rebeldia agora, não significa que o Senhor não está a trabalhar em nossas vidas para trazê-los à salvação. Sou grata por termos ensinado as Escrituras ao nosso filho, por ele ter memorizado o catecismo e porque ele entende o evangelho. Eu oro para que Deus use estas coisas e o traga para a fé salvífica em Cristo. Eu encontro conforto na soberania, amor e sabedoria de Deus.

O ídolo de crianças obedientes

Em nosso grupo de mães que fazem homeschool (educação domiciliar), fizemos um estudo juntas e conversamos sobre ídolos que as mulheres têm: um bom casamento, uma casa limpa e filhos obedientes. Algumas mulheres contestaram a ideia de que coisas boas podem se tornar ídolos, mas elas sem dúvida podem. Michael Horton diz:

Nós imaginamos a idolatria como a adoração de algo ruim. Entretanto, a maioria dos nossos ídolos são bons servos que transformamos em senhores.

Sobre a idolatria, o Catecismo de Heidelberg diz:

P 95: O que é idolatria?
R: Idolatria é inventar ou ter alguma coisa em que se deposite confiança, em lugar ou ao lado do único e verdadeiro Deus, que se revelou em sua Palavra.

Filhos obedientes eram um dos meus ídolos. E eu confiava em mim mesma ao invés do Senhor para trabalhar na vida de meus filhos e trazê-los à salvação. Muitas vezes, estava mais preocupada com o que outras pessoas observavam do que com o coração dos meus filhos. Eu cheguei a me dar crédito e me orgulhar de mim mesma quando eles buscavam ao Senhor e viviam em obediência. Quando nossos filhos de fato chegam à fé salvífica, é por causa do trabalho do Senhor em suas vidas. É ele que dá vida ao que estava morto em seus pecados e transgressões (Efésios 2.5).

Ele ainda é meu filho

Um dia, uma velha amiga me perguntou de maneira geral, “Como está o Jonathan?” Eu expliquei que ele estava bem, tinha um bom emprego, um apartamento novo e esperava casar com sua namorada algum dia. Ela me respondeu, “Ah, eu achei que ele não cria mais em Cristo e não ia mais à igreja”. Eu entendo que ela pode ter se referido a como ele estava espiritualmente, mas senti que era mais do que isso, o que aponta algo preocupante. Quando seus filhos se revoltam, alguns pais têm uma certa atitude, algo que não sei se consigo descrever bem; é como se eles houvesse recebido a mensagem de que simplesmente não são bons o suficiente. A questão é, nenhum de nós é bom o suficiente e é por isso que precisamos de Cristo. Acho que se transmitirmos essa ideia aos nossos filhos, estamos negligenciando a real mensagem do evangelho.
Meu filho ainda é amigo de diversas pessoas com as quais cresceu em nosso grupo de colaboração de homeschool e muitos deles deixaram a igreja. Tal resposta ou reação de seus pais é algo que esses filhos percebem. Jonathan me contou de muitas ocasiões em que alguns desses amigos falam mal de cristãos, acho que em parte por conta dessa reação e por conta do legalismo com o qual cresceram. Quando ele me contou sobre as conversas que tem com amigos que deixaram a igreja, me surpreendi ao ouvi-lo dizer a eles que “Nem todos os cristãos são assim. Meus pais não são assim”. Acho que muitos vêem o coração e tema do cristianismo como uma lista de regras ao invés do evangelho.
As mesmas coisas que eram importantes ensinar e demonstrar ao meu filho em sua adolescência ainda são importantes. Ser bom o suficiente não é a resposta certa para nossos filhos não-cristãos, o evangelho é. Infelizmente, em alguns círculos, eu vejo muita lei e pouco evangelho. Isso cria a desesperança que o amigo que cresceu comigo me disse, “Eu nunca pude ser bom o suficiente para os meus pais. Como seria bom o suficiente para Deus?”
Como mostraríamos menos amor em nossas interações com nossos filhos do que com nossos vizinhos não-cristãos? É claro que nosso relacionamento com nosso filho não-cristão será diferente do relacionamento com filhos cristãos. Sou grata, de qualquer forma, por ainda ter uma relação boa e próxima com meu filho. Acho que, porque mantivemos essa proximidade, ele se sente livre para continuar a fazer perguntas sobre as escrituras e a fé cristã. Apesar disso, falhei algumas vezes em minhas respostas e me tornei defensiva quando senti um ataque à minha fé. Ainda estou aprendendo.

O Senhor usará isso para o meu bem e Sua glória

Não conheço os planos do Senhor para meu filho, mas posso te dizer que ele já tem usado essa experiência em minha vida. Disse às pessoas próximas a mim que tem sido um exercício de confiança em Deus. Tem sido uma provação em minha vida e experimento sofrimento por conta disso. No episódio sobre sofrimento do podcast Theology Gals, conversamos sobre algumas das razões oferecidas pelas escrituras para o sofrimento, além das maneiras que o Senhor o usa. Testemunhei algumas destas coisas em primeira mão durante esse período que incluiu uma doença difícil, a perda de pessoas que eu amo e a incredulidade do meu filho.
Embora meu coração ainda esteja machucado pela falta de fé do Jonathan, o Senhor tem usado isso para me ensinar a confiar e me trazer mais perto Dele. É fácil nos culparmos quando nossos filhos tomam decisões ruins e falham em sua caminhada com Deus. Eu tenho certeza que muitos pais passam por situações em que se perguntam “O que fiz de errado?” Não há um único pai ou mãe vivo que não tenha falhado em sua educação, pois todos são pecadores. A notícia boa é que o evangelho não é apenas para os nossos filhos, é para nós também.

Sobre a autora:
Coleen Sharp é esposa e mãe de quatro meninos. Ela participa do podcast Theology Gals, parte da rede Bible Thumping Wingnut, e escreve para o site da organização. Link para o artigo original em inglês.
Traduzido com permissão por: Cecilia J. D. Reggiani
Revisão: Ingrid S. R. Corradi

 
 

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Discípulas de Jesus de diferentes denominações da fé protestante com o propósito comum de viver para a glória de Deus.
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